O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, parece determinado em perseverar nos seus erros. Ele pretende elaborar um novo projeto de lei para flexibilizar o Programa Silêncio Urbano (Psiu), mesmo após o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) afirmar há poucos dias que uma de suas tentativas de afrouxar esse instrumento é inconstitucional. Nem essa decisão cristalina bastou para que Nunes retomasse o bom senso, o que indica que o prefeito dobrará a aposta.
Não seria a primeira vez que Nunes ataca o Psiu. O Executivo já articulou emendas em projetos que estavam em andamento no Legislativo no intuito de abrandar a lei. Na mais recente investida, enfiou numa proposta que versava sobre aterros sanitários a exclusão de fiscalização do Psiu para shows com público de 5.001 a 40 mil pessoas. É o que, no jargão legislativo, chama-se de “jabuti”, haja vista que, como afirmou o TJ-SP, o tema “não guarda pertinência temática com o projeto original”. Para piorar, conforme a decisão, “não houve participação popular específica na emenda”.
Nada disso são firulas, mas exigências formais do processo legislativo que lhe dão legitimidade. Nunes, ao que tudo indica, não se importa. Em visita a um festival de música, manifestou seu inconformismo dizendo que “o Tribunal de Justiça gosta, às vezes, de encontrar algum questionamento”, o que ele disse lamentar. O prefeito criticou uma suposta “perseguição” aos grandes eventos, o que, segundo ele, não passa de uma “grande balela” de quem se diz “‘pseudodefensor’ do som e da incomodidade (sic)”. Disse que agora vai enviar um projeto específico, para enfraquecer o Psiu, sob o argumento de que a cidade precisa de “emprego e renda”.
Mas o que o prefeito chama de perseguição e diz lamentar é, na verdade, uma decisão judicial que restituiu o direito dos paulistanos de manifestarem sua insatisfação quando têm o seu sossego perturbado. Ademais, o respeito ao processo legislativo não deve ser menosprezado por uma autoridade pública que, decerto, sabe que o Legislativo e o Executivo só podem elaborar, discutir e aprovar matérias de acordo com parâmetros democráticos, como as regras materiais e formais, a participação popular e, sobretudo, os preceitos constitucionais. E, por fim, mas não menos importante, não há notícias, evidências ou dados de que a cidade de São Paulo dependa da algazarra e do desrespeito ao sossego alheio para crescer, prosperar e alcançar o desenvolvimento econômico.
Moradores de diversas regiões da capital paulista se uniram recentemente para criar a Frente Cidadã pela Despoluição Sonora, na qual reivindicam o direito de viver numa cidade menos barulhenta e, por consequência, mais harmoniosa, tranquila e saudável. Em vez de insistir em tornar São Paulo hostil, o prefeito Ricardo Nunes tem a chance de, enfim, acertar: ouvir seus cidadãos, desistir da ideia de liberar o caos sonoro e fortalecer o Psiu, com mais rigor e fiscalização, e não menos.
Fonte : https://www.estadao.com.br/opiniao/a-obsessao-de-nunes