Em meados da década passada, a Walmart — hoje a maior empregadora privada dos Estados Unidos — realizou uma guinada estratégica de grande impacto. Em 2015, a empresa decidiu elevar seu salário de entrada para US$ 9 por hora, beneficiando quase metade de sua força de trabalho. O anúncio provocou uma reação imediata e negativa no mercado: as ações caíram cerca de 10 %, apagando mais de US$ 21 bilhões em valor de mercado em apenas um dia.
O contexto de uma mudança arriscada
Antes dessa decisão, a Walmart vivia um período de estagnação. Apesar de sua enorme escala, com milhares de lojas e centros de distribuição, a empresa enfrentava desafios de produtividade e competitividade. A alta rotatividade, a insatisfação entre os funcionários e as experiências inconsistentes dos clientes ameaçavam o desempenho da rede, especialmente diante do avanço agressivo da Amazon.
Ao assumir o comando em 2014, o CEO Doug McMillon decidiu ouvir diretamente os colaboradores. Nas conversas, surgiram pedidos recorrentes: salários mais altos, horários estáveis, mais gerentes e lojas mais organizadas. A partir dessas demandas, nasceu uma nova estratégia: valorizar o trabalho humano como base da eficiência. A meta era simples, mas ambiciosa — melhorar a experiência dos funcionários para melhorar a experiência do cliente.
A reação do mercado
Em fevereiro de 2015, a empresa oficializou o aumento salarial, rompendo com a lógica de baixos custos operacionais. O investimento previsto era de US$ 2,7 bilhões em dois anos, somado a gastos com melhorias nas lojas e expansão do e-commerce. O impacto no lucro era esperado: a própria Walmart projetou queda de até 12 % no lucro por ação.
O mercado financeiro reagiu mal. Analistas criticaram o movimento, considerando-o um erro estratégico em um setor de margens apertadas. Porém, internamente, a decisão era vista como aposta de longo prazo — uma reconstrução da cultura corporativa e do papel da força de trabalho no desempenho da empresa.
Resultados de uma aposta de longo prazo
Dez anos depois, os resultados confirmam o acerto da decisão. O salário médio por hora dos funcionários subiu de cerca de US$ 12 em 2015 para mais de US$ 18 em 2024. A rotatividade caiu mais de dez pontos percentuais e as vendas nos Estados Unidos cresceram ano após ano, levando o grupo a uma receita global de US$ 681 bilhões.
Doug McMillon afirma que a mudança não foi motivada por filantropia, mas por lógica de negócio. “Não fizemos isso por bondade. Fizemos porque era o certo para o nosso futuro”, disse o executivo. A aposta era que colaboradores mais motivados e estáveis gerariam melhor atendimento, maior produtividade e, consequentemente, crescimento sustentável.
Investimento em pessoas e cultura corporativa
A estratégia da Walmart foi além do reajuste salarial. A empresa reformulou seus programas de treinamento e criou “academias” de capacitação profissional, voltadas à formação de líderes e à progressão de carreira. Muitos executivos começaram como caixas ou estoquistas, caso de Rissa Pittman, hoje vice-presidente regional, que entrou na empresa em 2003.
Parte dos bônus executivos passou a depender não apenas da lucratividade, mas também do crescimento das vendas e da satisfação dos clientes, sinalizando uma mudança estrutural na cultura da companhia. Paralelamente, as lojas foram reorganizadas para se tornarem centros híbridos de atendimento físico e digital, integrando o varejo tradicional ao e-commerce.
Desafios e futuro
Mesmo com os avanços, a Walmart não busca ser a líder absoluta em remuneração. O objetivo é “estar acima da média”, sustentando um sistema de valorização que combina reconhecimento, estabilidade e oportunidades de crescimento.
O novo desafio da empresa é conciliar esse modelo com a automação crescente e o uso de inteligência artificial. A meta é manter cerca de 2,1 milhões de colaboradores globalmente, mesmo com o aumento da receita, o que indica ganhos de produtividade impulsionados pela tecnologia.
Num cenário de escassez de mão-de-obra e consumidores mais exigentes, o exemplo da Walmart reforça uma lição essencial: investir em pessoas pode ser o diferencial competitivo mais poderoso — e mais sustentável — de uma corporação.
Fonte: The Wall Street Journal – “Walmart’s Treatment of Employees Was Long Seen as a Weakness. Now It’s a Strength.” – https://www.wsj.com/business/retail/walmart-employee-treatment-success-f96761f4