O Brasil passa por uma transformação demográfica histórica. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2022 a população com 60 anos ou mais chegou a 32,1 milhões, representando 15,8% da população total — um aumento de 56% em relação a 2010. Projeções indicam que, até 2070, 37,8% dos brasileiros estarão nessa faixa etária, totalizando cerca de 75,3 milhões de pessoas.
O crescimento desse público impacta diretamente o varejo alimentar. Consumidores 60+ apresentam padrões de compra mais planejados, maior fidelidade a marcas e atenção à qualidade, conveniência e clareza das informações nos produtos. Além disso, muitos possuem maior poder aquisitivo e tempo disponível, tornando-se estratégicos para supermercados que desejam fortalecer a fidelização e aumentar o ticket médio.
Mais do que atender a uma demanda crescente, a adaptação representa oportunidade estratégica. Supermercados que se anteciparem a essas mudanças poderão explorar segmentos como saúde, conveniência, experiências dentro da loja e serviços digitais adaptados, garantindo relevância em um mercado cada vez mais competitivo.
Experiências simplificadas e planejamento
“O envelhecimento da população muda tudo: não é só mais gente com cabelos brancos, é gente com tempo, poder de compra e expectativas diferentes”, afirma Martin Henkel, especialista em marketing e consumo para o público 60+. No supermercado, isso se traduz em maior procura por marcas com rotulagem clara, embalagens fáceis de abrir e serviços como entrega e atendimento humanizado. “Fidelizar um consumidor 60+ rende muito mais do que apenas uma venda isolada. Esse público busca qualidade de vida, confiança e experiências sem complicações”, avisa Henkel, que é fundador da SeniorLab Mercado e Consumo 60+ e professor convidado na FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Segundo Roberto Nascimento, professor de Gestão de Negócios em cursos de MBA, Graduação e Pós-Graduação da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), esse consumidor é menos impulsivo e compra de forma planejada. “Eles priorizam produtos confiáveis, saudáveis, funcionais e convenientes, mesmo que o custo seja maior. A experiência e a facilidade de uso contam muito na decisão de compra,”, afirma. Ele reforça que esse perfil também valoriza compras frequentes e em menores volumes, o que exige boa reposição e variedade constante no supermercado.
Internacionalmente, o Brasil pode se inspirar em países como Japão, Alemanha e Itália. Henkel comenta, “No Japão, supermercados usam carrinhos que se transformam em andadores, etiquetas com letras grandes e lojas próximas às residências, mostrando que tratar o envelhecimento como oportunidade estratégica gera resultados concretos”, alerta.
Já Nascimento, da ESPM, acrescenta que iniciativas como programas de fidelidade adaptados, cafés e eventos comunitários dentro das lojas fortalecem vínculo com o público idoso, criando lealdade de longo prazo.
No Brasil, supermercados ainda enfrentam desafios para oferecer acessibilidade, conveniência e serviços diferenciados. Corredores mais largos, sinalização clara, iluminação confortável, áreas de descanso e banheiros distribuídos estrategicamente são ajustes essenciais. Henkel explica que a experiência precisa ser menos corrida e mais orientada. “Ou seja, um atendimento que escute, recomende e ofereça soluções confiáveis”, diz.
Dicas práticas para supermercados atenderem consumidores 60+
Layout e acessibilidade: corredores amplos, sinalização clara, iluminação confortável, banheiros distribuídos, áreas de descanso e provadores espaçosos.
Produtos: embalagens práticas, rótulos legíveis, porções menores, alimentos funcionais, refeições prontas saudáveis e kits de preparo rápido.
Serviços: delivery facilitado, assinaturas de compra recorrente, farmácia integrada, consultoria nutricional, espaços de degustação e lounges para momentos de lazer.
E-commerce/app: interface simples, botões grandes, filtros claros, listas de compras prontas, recompra baseada em histórico, agendamento de entrega e suporte humano via telefone ou WhatsApp.Marketing e comunicação: linguagem clara e respeitosa, tom que celebra experiência e vitalidade, campanhas educativas, conteúdos informativos e tutoriais de uso de produtos.
Capacitação de equipes: treinamentos em empatia, atendimento humanizado, comunicação clara, reconhecimento de necessidades especiais e gestão de conflitos de forma paciente.
Sem estereótipos
O consultor Martin Henkel reforça que a comunicação deve abandonar estereótipos. “Não basta focar na idade, é preciso entender valores, comportamentos e necessidades. Mostrar liberdade, autonomia e vitalidade gera conexão real”, diz.
Roberto Nascimento lembra que a adaptação estratégica do varejo inclui educação do consumidor em nutrição, bem-estar e uso de tecnologia, criando valor agregado além da venda do produto.
O envelhecimento da população também abre espaço para novos modelos de negócio e curadorias de produtos. Para Henkel, produtos de bem-estar não são uma categoria isolada; eles atravessam alimentação, higiene, conveniência e serviços. Lojas menores, próximas de residências, com atendimento humanizado, e programas de assinatura adaptados às necessidades do idoso representam oportunidades concretas de crescimento e diferenciação.
A população 60+ significa, portanto, uma oportunidade estratégica de fidelização, aumento do ticket médio e inovação em produtos e serviços. “Supermercados que anteciparem essas mudanças e adaptarem seus negócios com respeito, inovação e empatia conquistarão não apenas uma nova fatia de mercado, mas a lealdade de um público exigente e cada vez mais ativo”, conclui o docente da ESPM.
Fonte : https://www.supervarejo.com.br