O que explica o baixo desempenho do varejo e consumo no Brasil real?

Opinião

A combinação nada virtuosa de inflação, inadimplência, desconfiança, insegurança, potencializada pelas bets, explica o desempenho medíocre. Simples assim.

Em primeiro lugar, é importante separar pelo menos dois Brasis: o afluente e o dependente.

O afluente é aquele formado pelos segmentos de maior poder aquisitivo, que têm vivido as benesses de poder aplicar, aproveitando taxas reais de juros entre as mais altas do mundo, com baixo risco.

É esse grupo que impulsiona os segmentos de produtos e serviços focados no luxo e movimenta parte relevante da economia, gerando crescimento expressivo, como apresentado em recente pesquisa da Bain & Co, que apontou uma evolução de 26% entre 2022 e 2024.

São parte desse segmento também os conhecidos, de forma genérica, como “Faria Limers”, pelo forte vínculo com o setor financeiro.

Mas o Brasil real é o dependente.

Dependente dos programas de auxílio, do crédito e de todas as formas de apoio para sobreviver e tentar crescer. Importante lembrar que os beneficiados dos diversos programas somam 94 milhões de pessoas inscritas no CadÚnico. O governo e o setor privado estão conscientes da necessidade de um novo modelo de gestão dessas iniciativas, mas pouco será feito no curto prazo para alterar essa situação, por razões eleitorais.

Na combinação desses dois Brasis, vivemos uma incógnita, pois os indicadores macroeconômicos sinalizam elementos que deveriam gerar desempenho expressivo no varejo e no consumo de forma geral. Porém, o que se vê é uma performance pífia, com a maioria dos segmentos e das regiões apresentando crescimento real negativo em relação ao mesmo período do ano anterior.

Macro indicadores positivos não são suficientes

O índice de desemprego de 5,4%, considerando os que não estão buscando emprego, apresentado pela Pnad Contínua, é o mais baixo dessa série. E existe consistente aumento no número de pessoas que se empregam. Na verdade, falta mão de obra, em especial em alguns setores, e isso se tornou um problema que pressiona salários e custos.

A massa salarial real também é a maior desde o início da série histórica, com R$ 352,3 bilhões, e um rendimento médio de R$ 3.484, o maior dos últimos 15 anos, com consistente crescimento real ao longo desse período.

A massa salarial, quando acrescida do que é pago pelo Bolsa Família, atinge R$ 362,9 bilhões e aumenta o poder aquisitivo e, em tese, a propensão ao consumo.

A inflação de 12 meses em agosto foi de 5,13%, puxada pela alimentação dentro e fora do lar, e é um dos principais elementos que impactam o Brasil dependente, contribuindo para o comportamento arredio de compras.

Ela afeta a compra dos alimentos de forma geral e impacta o comportamento de consumo em geral.

Importante lembrar que habitação, transporte e alimentação representam 73% dos gastos essenciais no País, mas pesam ainda mais para a parcela dependente.

Outro fator crítico para esse Brasil dependente é o endividamento. No Brasil em geral, o endividamento das famílias, representado pelo valor das dívidas em relação à renda dos últimos 12 meses, está próximo de 50%. Para os dependentes, esse percentual é significativamente maior e inibe o consumo, as compras e as despesas.

Dados recentes do Serasa mostram cerca de 80 milhões de inadimplentes no País, com crescimento próximo de 10% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Como resultante de todo esse cenário, a confiança do consumidor encontra-se em patamar cerca de 5% inferior aos indicadores médios de 2023 e 2024.

Como consequência, o comportamento do varejo ampliado, medido pelo indicador oficial do IBGE, mostra desempenho real negativo no período até julho, com tendência de se manter nesse patamar pelo resto do ano.

O todo é ainda impactado pelas bets

Como se não bastasse todo esse cenário adverso, as bets têm tido papel importante ao esterilizar a renda, desviando recursos do consumo para o jogo travestido de entretenimento.

Segundo estimativas de estudo da PWC, com dados do Banco Central, o volume de movimentação financeira das apostas online foi de R$ 10,2 bilhões em 2020, cresceu para R$ 21,8 bilhões em 2021, para R$ 29,6 bilhões em 2022, R$ 67,1 bilhões em 2023 e atingiu R$ 119 bilhões no ano passado. A estimativa é que possa superar R$ 220 bilhões este ano.

E isso apenas entre as bets oficialmente aprovadas, sendo necessário considerar que pode existir um número expressivo além desse valor em bets não oficiais.

No Brasil dependente o cenário é de frustração

O Brasil dependente é aquele que precisa focar no varejo de valor, no mais por menos. Ele se espalha por todo o território, porém com forte predomínio nas regiões Norte e Nordeste.

Como resultado de todo esse cenário, com vendas em crescimento real negativo na maioria dos setores do varejo, as margens estão ainda mais pressionadas.

No setor de supermercados, tomado como exemplo, as margens estão em queda desde 2020, como mostra o estudo da GT Analytics desenvolvido em conjunto pela Future Tank e peloEcossistema Gouvêa.

O Brasil real está andando para trás

O cenário não tem perspectiva de reversão no curto ou médio prazo. Ao contrário.

Fatores como insegurança crescente, inadimplência, inflação elevada, em especial nos alimentos, e o desvio de recursos para o jogo sinalizam um período complexo e desafiador à frente para a parcela mais representativa do mercado.

O desempenho futuro do varejo e do consumo poderá ser ainda diretamente afetado pela reforma tributária e por diversas ações às vésperas das eleições.

Ainda que parcelas do Brasil afluente vivam e alimentem uma realidade própria, motivada pela euforia financeira, o País como um todo enfrenta um quadro adverso e complexo.

Alguns setores, segmentos e negócios têm mostrado capacidade de conviver e se desenvolver nesse cenário, e isso pode inspirar as necessárias revisões estratégicas.

Mas, para todos, vale refletir e repensar caminhos e alternativas.

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Fonte : https://mercadoeconsumo.com.br/29/09/2025/artigos/o-que-explica-o-baixo-desempenho-do-varejo-e-consumo-no-brasil-real/amp

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