Apelidado de Virgulino, equipamento importado da China carrega até quatro bandejas, leva pedidos às mesas e libera garçons para atividades de maior valor agregado, como interagir com os clientes. Com ele, Luiz Ferreira, da Villa Grano, diz que sentiu aumento nas vendas em 20 dias de operação e encomendou mais cinco para suas outras lojas
Quem não se lembra dos Jetsons, família espacial futurista dos desenhos animados que vivia em 2062 e contava com os serviços da simpática funcionária robótica Rosie? No alto dos seus 40 anos de janela no setor de padarias, o empresário Luiz Pereira Ferreira, dono da Villa Grano, na Vila Clementino, encontrou uma alternativa semelhante para driblar a falta de mão de obra: ‘contratou’ um robô.
Referências à cultura pop à parte, a ideia, importada do mercado europeu e inspirada em setores como hotelaria para oferecer maior comodidade aos hóspedes, foi o jeito que Ferreira encontrou para resolver um dilema que vai além das portas do seu negócio, que é a crescente dificuldade do setor de panificação em admitir e reter funcionários.
Apelidado provisoriamente de Virgulino, o equipamento da marca Keenon, importado da China por R$ 100 mil, carrega até quatro bandejas, leva pedidos nas mesas, devolve copos, pratos e talheres usados à copa, libera garçons para atividades de maior valor agregado – como dar atenção ao cliente – e até agradece.
Ferreira exemplifica: normalmente, o atendente limpa a mesa, leva os utensílios usados para a copa e, nesse processo, ele abandona o salão enquanto o cliente fica sozinho escolhendo o que quer. Com o robô, o funcionário humano abastece suas quatro bandejas, aperta o botão e, enquanto a máquina faz o serviço, ele fica permanentemente nas dependências da padaria, à disposição para tirar dúvidas ou orientar o cliente na escolha, entre outras tarefas personalizadas.
Em pouco menos de 20 dias de teste, o funcionário robótico já foi aprovado não apenas pela equipe, que se diverte programando os comandos e assistindo Virgulino circular pelo salão desempenhando suas tarefas.
Também tem feito sucesso com o público, pois virou uma atração à parte na padaria e acabou se tornando até uma estratégia de marketing espontânea que tem ajudado a aumentar o tíquete médio e as vendas.
“Ainda não planilhei, mas percebi que as pessoas têm vindo muito pela curiosidade, e chegam a fazer mais pedidos só para serem atendidas por ele ou filmá-lo para postar em suas redes sociais”, conta. “Uma cliente veio aqui para ver e falou: ‘vou pedir, mas quero que o robô traga’. E pediu oito vezes”, completa, animado.
Do ponto de vista prático, o robô substitui a força de trabalho em tarefas repetitivas e de baixo valor por reduzir custos e garantir constância no serviço. “É um funcionário full time, que trabalha das seis da manhã às dez da noite sem interrupção. Isso dá ao time humano mais tempo para cuidar do cliente, que é o que importa.”
Déficit crônico
Com quatro lojas e cerca de 300 colaboradores, o empresário vive um paradoxo: ao mesmo tempo em que investe em formação desde a base (há mais de 15 anos não contrata com experiência), faz rodízio de setores e oferece salários acima da média, enfrenta um déficit crônico de trabalhadores.
No momento, sua necessidade é de pelo menos 30 funcionários, entre manobristas, profissionais para a área industrial, faxineiros e atendentes para início imediato em todas as lojas (outra Villa Grano, na Vila Madalena, e duas na Zona Norte da Capital paulista: a Arizona, na Água Fria, e a Condessa, em Santana).
Sua situação reflete o problema do setor de panificação como um todo. Segundo levantamento do Sampapão divulgado pelo Diário do Comércio, o estado de São Paulo tem hoje 55 mil vagas abertas em padarias à espera de preenchimento, resultado das mudanças estruturais e comportamentais que têm afetado o mercado de trabalho.
Mas o desafio não está apenas na qualificação. Ferreira relata que muitos candidatos preferem ser informais para não perderem benefícios sociais ou serem autônomos. Perguntado sobre a prática velada de ‘roubo’ de funcionários, ele diz que, enquanto alguns donos de padaria reclamam que têm perdido funcionários para a concorrência, ele perde para a informalidade.
“Acontece, mas não tenho esse problema porque pago bem, um atendente comercial meu ganha R$ 3,2 mil, em média”, afirma. “Mas o pessoal prefere ser iFood, Uber, informal… Quis efetivar uma moça que trabalhava muito bem na limpeza pagando melhor, mas ela disse que compensa mais ser diarista e ficar em casa com os filhos, pois não precisa pagar ninguém para cuidar deles”, conta.
Ao mesmo tempo, parte da juventude, a chamada Geração Z, rejeita vínculos formais de trabalho, buscando horários flexíveis ou atividades autônomas pois não querem seguir regras de empresa. “O jovem quer trabalhar a hora que quiser, e não de sábado, nem domingo, nem feriado. Se tem festa à noite, quer curtir e, no outro dia, não trabalhar. Por isso não quer ser CLT.”
Hoje, Ferreira diz que precisa de 15 pessoas só para atendimento, mas não consegue contratar: já tentou recrutar por empresas especializadas, oferecer treinamento interno, mas o desinteresse é grande. “Pago empresas para captar currículos e diariamente minha secretária seleciona 10, 20, e liga para marcar entrevista, mas no outro dia não aparece ninguém.”
Também pensou em mudar a tática, marcar entrevistas online, por vídeo, mas o questionamento vai no sentido contrário: quanto vou ganhar? Qual benefício você me dá? O que serve de almoço? “Hoje, o entrevistado é a empresa”, diz.
Para tentar preencher os cargos, a Villa Grano tem conseguido maior adesão de trabalhadores acima de 50 anos, segundo Ferreira. Para alguns, faltam poucos anos de registro para se aposentar, ou trabalharam muito na informalidade e agora querem somar tempo de serviço para chegar logo à aposentadoria, então dá match. “Com essas pessoas temos algum sucesso, elas estão vindo, trabalhando, têm compromisso com o horário, têm responsabilidade. Aqui está dando certo”, afirma.
Mas ele continua com déficit em tudo, em todas as áreas: setores como limpeza, atendimento e cozinha acumulam vagas em aberto há anos. “Só falta carregar o funcionário no colo, mas nesse cenário a decisão de investir em tecnologia tornou-se quase inevitável”, destaca o empresário, que já encomendou mais cinco ‘sósias’ do Virgulino para alocá-los em suas outras padarias na expectativa de suprir a falta de mão de obra.
Revolução das máquinas
O movimento da Villa Grano reflete um fenômeno mais amplo: a automação como resposta à escassez estrutural de mão de obra que, mais que uma escolha, é uma adaptação forçada pela realidade. A tendência, que começou em supermercados e bancos, agora avança para o universo das padarias — um espaço tradicionalmente associado à proximidade e ao atendimento pessoal, e considerado a segunda casa principalmente para o consumidor paulista ou paulistano.
Mas a aposta em tecnologia não é novidade na trajetória da Villa Grano. A padaria foi pioneira ao implantar caixas de autoatendimento há 13 anos, superando a resistência inicial dos consumidores. E até dos funcionários, que a princípio também eram contra a implantação de automação na padaria pois achavam que seriam substituídos. “Cheguei até a falar: se quiserem, eu tiro. Mas depois ninguém mais quis voltar a enrolar 200 salgados na mão”, diverte-se Ferreira.
Hoje, ele acredita que o setor caminha para um modelo de convivência entre pessoas e máquinas, e conta até que um executivo de um famoso hospital vizinho à Villa Grano, que foi lá tomar um café, viu o robô e quis mais informações, pois despertou seu interesse em implantar a mesma tecnologia. “Não dá para ficar sem funcionários, mas com a falta de mão de obra o futuro é inevitável: cada vez mais automação. O brasileiro vai ter que se acostumar com isso”, afirma.
Do ponto de vista cultural, há uma certa resistência, em especial do paulistano, que tem relação afetiva com a padaria de bairro e vira espaço de convivência social. Mas a lógica da eficiência e da falta de trabalhadores tende a remodelar essa experiência: em países da Europa e nos Estados Unidos, consumidores se acostumaram a retirar pedidos sozinhos ou esperar mais tempo pelo serviço. Por isso, Ferreira aposta que esse comportamento, mais cedo ou mais tarde, se consolidará também por aqui. “Não é porque eu quero, o outro quer. É necessidade. O mundo vai obrigar”, sinaliza. E que venham mais Virgulinos.
Fonte : https://www.dcomercio.com.br/publicacao/s/padaria-contrata-robo-para-contornar-crise-de-mao-de-obra