Supermercados adotam contratos por hora e reacendem discussão sobre qualidade de vida

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Os supermercados brasileiros estão cada vez mais aderindo ao regime de contrato intermitente, uma modalidade de trabalho por hora prevista na reforma trabalhista de 2017.

A proposta promete flexibilidade e economia para os empregadores, mas tem sido amplamente criticada por entidades sindicais e especialistas por precarizar as relações de trabalho.

O que é o contrato intermitente?

De acordo com o Artigo 452-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o contrato intermitente permite que o trabalhador seja convocado para prestar serviço em dias ou horas específicos, conforme a necessidade do empregador.

Ele tem carteira assinada, mas não trabalha de forma contínua. A remuneração é feita proporcionalmente às horas trabalhadas, incluindo os direitos como férias13º salário e FGTS — também pagos proporcionalmente.

Salários baixos e custo de vida alto

Desafio de sobreviver com R$ 1.400 mensais

A remuneração média de um operador de caixa, por exemplo, gira em torno de R$ 1.600 brutos, o que resulta em cerca de R$ 1.404 líquidos após os descontos. Em cidades como Nova Iguaçu (RJ), esse valor mal cobre as despesas básicas:

  • Aluguel: R$ 900;
  • Cesta básica (1 pessoa): R$ 432;
  • Conta de luz: R$ 150.

Total: R$ 1.482, já ultrapassando a renda disponível.

Situação pior em grandes centros

Em São Paulo, o cenário é ainda mais desafiador. Aluguéis de apartamentos de um quarto raramente ficam abaixo de R$ 1.200. Somando as demais despesas, como transporte, saúde e alimentação, muitos trabalhadores se veem forçados a buscar atividades extras nos dias de folga para complementar a renda.

Escala 6×1 e seus efeitos na saúde mental

Um dia de descanso para seis dias de exaustão

A escala 6×1, muito comum no setor varejista, exige seis dias seguidos de trabalho e apenas um de folga. Associada a baixos salários e jornadas imprevisíveis, essa rotina tem causado problemas de saúde mental e física.

Aumento no uso de medicamentos

Estudos da Universidade Federal Fluminense apontam que muitos trabalhadores recorrem a ansiolíticos, antidepressivos e analgésicos para lidar com o estresse, o cansaço crônico e a ansiedade provocados pela rotina desgastante.

Esgotamento e sensação de “escravidão moderna”

A doutora em Psicologia Social do Trabalho, Flávia Uchôa de Oliveira, afirma que a escala 6×1 contribui para a percepção de aprisionamento e degradação do bem-estar. Muitos relatam sensação de “escravidão moderna”, sem tempo para lazer, estudo ou convívio familiar.

Especialistas e sindicatos criticam a flexibilização

Redução da jornada semanal sem corte salarial

Para o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC)Luiz Carlos Motta, a solução está na redução da jornada semanal, sem reduzir o salário. Ele argumenta que isso melhoraria a qualidade de vida e aumentaria a produtividade.

Piso salarial regionalizado

Outra proposta em debate é a valorização dos pisos salariais, levando em conta o custo de vida local. Em cidades com transporte deficiente e aluguéis altos, como Rio de Janeiro e São Paulo, salários mais altos são considerados fundamentais para reduzir a rotatividade e atrair mais trabalhadores.

Crescimento do setor contrasta com precarização

Supermercados em expansão

Apesar das críticas, o setor supermercadista teve um crescimento de 6,5% em 2024, quase o dobro do PIB nacional, que foi de 3,4%. O setor emprega milhões, mas muitos trabalhadores estão insatisfeitos com as condições oferecidas.

Vagas abertas, mas pouco atrativas

Em São Paulo, há mais de 35 mil vagas abertas apenas no setor supermercadista. Contudo, segundo sindicatos, a baixa remuneração e a instabilidade dos contratos afugentam os candidatos, especialmente os mais jovens.

Quem são os mais afetados?

Jovens em início de carreira

A maior parte dos trabalhadores em supermercados está na faixa entre 18 e 30 anos, muitos deles no primeiro emprego. Sem experiência anterior e com necessidade imediata de renda, aceitam condições precárias.

Mulheres em jornada dupla

As mulheres são maioria nas funções de caixa e reposição. Muitas delas enfrentam a dupla jornada, trabalhando fora e cuidando da casa. O contrato intermitente dificulta ainda mais a conciliação entre vida profissional e pessoal.

Consequências para a seguridade social

Contribuições irregulares ao INSS

A falta de jornada fixa impede que trabalhadores intermitentes contribuam regularmente com o INSS. Isso compromete o acesso a benefícios como aposentadoria, auxílio-doença e seguro-desemprego.

Risco de aposentadoria parcial ou inexistente

Segundo a economista Alanna Santos de Oliveira, da Universidade Federal de Uberlândia, muitos trabalhadores não conseguem alcançar o tempo mínimo de contribuição, ficando sem acesso a uma aposentadoria digna.

Pressão por mudanças legislativas

Projetos de lei em discussão

O debate sobre o contrato intermitente chegou ao Congresso Nacional. Projetos de lei em tramitação buscam:

  • Garantir um número mínimo de horas mensais nos contratos intermitentes
  • Proibir o uso dessa modalidade em funções essenciais ou de jornada contínua
  • Ampliar a fiscalização para coibir abusos

Grupo de monitoramento

Ministério do Trabalho e Emprego, em 2025, anunciou a criação de um grupo de monitoramento para avaliar o impacto da modalidade. Denúncias contra empresas que usam o contrato intermitente de forma irregular estão em alta.

Alternativas em debate

Propostas de curto e longo prazo

Entre as sugestões para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores do setor estão:

Redução da jornada semanal

  • Menos dias trabalhados;
  • Maior tempo de descanso e convívio familiar.

Valorização do piso salarial

  • Salários regionais mais adequados ao custo de vida;
  • Redução da rotatividade e aumento da produtividade.

Fortalecimento sindical

  • Garantia de mobilização e negociação coletiva;
  • Ampliação da proteção jurídica ao trabalhador intermitente.

Considerações finais

A adoção de contratos por hora em supermercados brasileiros evidencia uma crise no modelo de relações de trabalho.

Embora o regime intermitente tenha base legal e prometa flexibilidade, seus efeitos práticos apontam para precarização, instabilidade e comprometimento da saúde física e mental dos trabalhadores.

O desafio agora é encontrar um equilíbrio entre a necessidade de mão de obra flexível e a garantia de dignidade no trabalho, respeitando os direitos básicos de quem sustenta um dos setores mais lucrativos da economia brasileira.

Fonte: https://seucreditodigital.com.br

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