Tema 274/TST: será o fim da suspensão eterna do contrato de trabalho?

A aposentadoria por invalidez sempre foi concebida pelo legislador brasileiro como um benefício de natureza precária. Essa precariedade justificava a previsão de suspensão do contrato de trabalho, e não sua extinção, permitindo que, em caso de recuperação da capacidade laborativa, o trabalhador tivesse assegurado o retorno ao posto. Esse raciocínio, consagrado no artigo 475 da CLT e consolidado na Súmula 160 do Tribunal Superior do Trabalho, vigorou por décadas como elemento de proteção ao empregado afastado.

Entretanto, a realidade normativa atual já não é a mesma que inspirou a jurisprudência consolidada. O artigo 101, §1º, da Lei 8.213/91, com as redações introduzidas em 2014, 2017 e, mais recentemente, em 2025, alterou profundamente o regime de revisão da aposentadoria por invalidez. O legislador passou a isentar determinados aposentados por invalidez da realização de perícias médicas periódicas, notadamente aqueles que completam 55 anos de idade e contam com pelo menos 15 anos de benefício, ou, de forma ainda mais expressiva, os que atingem 60 anos.

Esse ponto é crucial: ao retirar a exigência de reavaliação, a lei criou hipóteses em que a aposentadoria por invalidez se torna, na prática, irrevogável pelo INSS. E se não há mais previsão de cancelamento por reabilitação, o fundamento que justificava a manutenção eterna da suspensão contratual deixa de existir.

A Súmula 160 do TST, editada em 1971, prevê que:

“Cancelada a aposentadoria por invalidez, mesmo após cinco anos, o trabalhador terá direito de retornar ao emprego, facultado, porém, ao empregador, indenizá-lo na forma da lei.”

Esse enunciado foi construído em um contexto histórico específico: à época, a legislação previdenciária obrigava a revisão periódica e não contemplava hipóteses de estabilização definitiva do benefício. O raciocínio era lógico: se a aposentadoria podia ser revista “a qualquer tempo”, não faria sentido admitir a rescisão do contrato enquanto o benefício estivesse ativo.

Mas essa lógica não dialoga mais com a ordem normativa atual. O que antes era uma aposentadoria sempre revisável transformou-se, em determinadas hipóteses, em benefício que não pode mais ser revisado de ofício pela Previdência. A “provisoriedade” que sustentava a Súmula 160 foi, em parte, suprimida pelo próprio legislador.

Sendo assim, a manutenção da jurisprudência tradicional sem reconhecer a mudança legal cria um desequilíbrio inaceitável. Empresas são obrigadas a carregar, por tempo indefinido, contratos suspensos que jamais serão retomados, salvo se por iniciativa do próprio empregado.

Esse quadro gera problemas práticos relevantes:

1. Gestão de pessoal: a existência de contratos “congelados” impede reorganizações administrativas plenas e dificulta a gestão de passivos trabalhistas.

2. Custos indiretos: mesmo com a suspensão, muitas obrigações acessórias permanecem, como a manutenção de benefícios (plano de saúde, por exemplo, assegurado pela Súmula 440 do TST).

3. Passivos ocultos: a cada tentativa de dispensa, as empresas enfrentam elevado risco de nulidade e reintegração judicial, ainda que não haja mais possibilidade real de retorno.

4. Descompasso normativo: enquanto a lei já reconheceu que, em certas idades e condições, a aposentadoria por invalidez é definitiva, a jurisprudência trabalhista insiste em tratá-la como precária.

Esse cenário engessa as empresas e compromete a segurança jurídica, valor igualmente constitucional, que deve ser resguardado em equilíbrio com a proteção ao trabalhador.

Tribunais Regionais do Trabalho, o TST afetou, em agosto de 2025, o Tema 274 de recursos repetitivos. A questão submetida ao Pleno é clara:

“A suspensão contratual em razão da aposentadoria por invalidez, conforme o art. 475 da CLT, cessa após decorridos os prazos descritos no art. 101, § 1º, I, II, da Lei nº 8.213/1991, que dispensam a realização de avaliação periódica pela Previdência Social?”

A simples formulação da questão já evidencia a necessidade de reflexão: a corte está diante da oportunidade de revisar ou modular a aplicação da Súmula 160, alinhando-a à realidade legislativa atual.

Oportunidade histórica

Não se defende, aqui, a supressão da proteção ao trabalhador afastado. O que se propõe é a adequação da jurisprudência aos novos contornos legais. Alguns pontos poderiam nortear a revisão:

1. Manutenção da suspensão contratual enquanto a aposentadoria for efetivamente revisável pela Previdência.

2. Cessação da suspensão e consequente autorização para rescisão quando configuradas as hipóteses do artigo 101, §1º, da Lei 8.213/91 (isenção de perícia por idade ou tempo).

3. Proteção de transição: fixação de parâmetros para assegurar que a alteração jurisprudencial não afete situações já consolidadas, evitando insegurança jurídica para trabalhadores em casos pendentes.

Esse caminho equilibra os interesses em jogo, pois protege o trabalhador durante o período em que há expectativa de reversão e, ao mesmo tempo, libera a empresa do ônus de manter indefinidamente vínculos inativos quando a própria lei já tornou o benefício imutável.

O Direito do Trabalho é dinâmico e deve acompanhar as alterações legislativas que impactam diretamente a vida das empresas e dos trabalhadores. No caso da aposentadoria por invalidez, a mudança promovida pelo legislador retirou o caráter precário em determinadas hipóteses, e isso não pode ser ignorado pelo Poder Judiciário.

Persistir na aplicação da Súmula 160, sem considerar as isenções legais de perícia, é manter uma jurisprudência descolada da realidade, que onera desproporcionalmente as empresas e gera insegurança.

O Tema 274 do TST representa, portanto, uma oportunidade histórica: revisar a Súmula 160, delimitar seus contornos de aplicação e reconhecer que, uma vez cessada a possibilidade de reavaliação da incapacidade pelo INSS, cessa também a suspensão contratual.

As empresas não podem ser condenadas a conviver indefinidamente com contratos de trabalho que, na prática, jamais serão retomados. A atualização jurisprudencial é medida de justiça, equilíbrio e segurança jurídica.

Maurício Pallotta Rodrigues

Fonte : https://www.conjur.com.br/

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