O Supremo Tribunal Federal estabeleceu, em julgamento encerrado na última sexta-feira (10/10), uma nova tese para ações trabalhistas. Conforme fixado no Tema 1.232 de repercussão geral, uma empresa não poderá ser incluída no polo passivo de uma execução se não tiver participado da fase de conhecimento do processo, em que se discute o mérito.
A decisão é elogiada por especialistas entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, mas com ressalvas. Os advogados avaliam que a tese do Supremo reduz a insegurança jurídica, porque garante o devido processo legal a empresas que hoje são surpreendidas com constrição patrimonial e outras punições sem que tenham exercido a ampla defesa e o contraditório.
Alguns estudiosos alertam, no entanto, que a medida ameaça a eficácia dos processos, porque pode incentivar manobras de grupos econômicos para poupar as empresas devedoras da execução. Outro prejuízo, segundo os críticos, é para a celeridade dos processos, porque os credores podem ser obrigados a litigar contra muitas partes ao mesmo tempo.
Pensando em mitigar estes riscos, o Supremo criou duas exceções à nova regra: a inclusão posterior de empresas na execução será admitida em casos de sucessão empresarial ou de abuso da personalidade jurídica — quando os sócios usam a empresa de forma fraudulenta para esconder bens ou evitar o pagamento de dívidas.
Proteção frágil
Especialistas avaliam que as exceções abertas pelo STF reduzem as chances de fraude, mas não evitam uma série de possíveis transtornos ao processo.
“Acredito que o resultado será um retorno ao contencioso à moda antiga, em que haverá a distribuição de petições iniciais inchadas com todos os CNPJs ‘possíveis’, efeito dominó de preliminares, defesas, incidentes e recursos, e um custo processual que colide frontalmente com a celeridade, que é tão característica da Justiça do Trabalho”, opina Pedro Filgueiras Macedo, head da área trabalhista no escritório Donelli, Nicolai e Zenid Advogados.
Na visão da advogada Fabíola Marques, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e sócia do Abud e Marques Sociedade de Advogadas, a decisão do STF prejudica o trabalhador ao transferir para ele a tarefa de provar abuso da personalidade jurídica para conseguir a execução.
“O trabalhador é a parte mais fraca da relação e, na maioria das vezes, não tem conhecimento da situação efetiva da empresa, se ela tem condições ou não de arcar com uma futura condenação. No fim das contas, essa decisão dificulta o acesso do empregado aos seus direitos e faz com que ele possa não conseguir executar a condenação, mesmo ganhando a ação”, avalia.
O advogado Fabiano Zavanella, doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e sócio do Rocha Calderon e Advogados Associados, reconhece que pode haver uma “dificuldade operacional” para incluir as empresas corretas no polo passivo, mas que isso pode ser amenizado com a devida assistência jurídica ao trabalhador.
“Caberá ao advogado mapear qual é o empregador originário e, eventualmente, uma ou duas empresas do grupo econômico que tenham uma capacidade financeira maior. Não é preciso indicar múltiplas empresas, como se fazia antigamente. Portanto, não enxergo vulnerabilidade do reclamante sob esse aspecto”, opina.
Fim do impasse
Os especialistas concordam que a conclusão do julgamento terá o benefício imediato de destravar dezenas de milhares de execuções que estavam suspensas em todo o país desde maio de 2023, por decisão do Supremo.
Para os advogados, o STF pacificou uma antiga controvérsia: na prática, a nova tese restaura uma regra que havia sido abolida da Justiça do Trabalho há mais de duas décadas, em 2003.
Naquele ano, o Tribunal Superior do Trabalho cancelou uma súmula que previa expressamente que empresas não poderiam ser sujeito passivo da execução se não tivessem participado da ação como reclamadas. Desde então, abriu-se autorização para que as rés fossem incluídas no rol de executadas a qualquer momento, e as reclamações começaram a se acumular.
“A tese corrige um desvio histórico da Justiça do Trabalho e reforça a segurança jurídica, ao conter o ativismo judicial e impedir que a celeridade processual se sobreponha às garantias constitucionais”, afirma Lara Prado, advogada das áreas cível e trabalhista do Diamantino Advogados Associados.
O novo entendimento do STF valerá mesmo para execuções redirecionadas antes da reforma trabalhista de 2017, que alterou as regras de aplicação do incidente de desconsideração da pessoa jurídica (IDPJ) e alterou a definição de grupo econômico na CLT. As mudanças só não serão aplicadas para casos definitivos (ações já transitadas em julgado, créditos já satisfeitos e execuções finalizadas ou arquivadas).
“O ponto positivo da decisão foi pacificar a controvérsia e, de fato, dar maior segurança jurídica para aqueles supostos grupos por coordenação, porque eles aparentam formarem grupo econômico, mas nem sempre o formam. E aquela pessoa jurídica que foi incluída só no cumprimento de sentença não tem condições de se defender de uma forma ampla como teria na fase de conhecimento”, avalia a advogada Vólia Bomfim, professora de Direito e integrante da Academia Brasileira de Direito do Trabalho (ABDT).
Caminho tortuoso
O tema chegou ao STF em junho de 2022, quando uma concessionária de rodovias de São Paulo recorreu de uma decisão do TST. A empresa foi incluída no polo passivo de uma execução e teve seus bens penhorados para quitar as verbas trabalhistas de uma condenação imposta a outra empresa do mesmo grupo.
A análise dividiu o Supremo. O voto original do ministro Dias Toffoli, relator do caso, permitia a execução de empresas que não estavam na fase de conhecimento do processo, desde que o pedido fosse previamente justificado em IDPJ. O ministro Cristiano Zanin, contudo, apresentou uma proposta alternativa, o que levou Toffoli a aderir à solução do colega.
Ao final, prevaleceu a tese de que a inclusão posterior de empresas é proibida e que cabe ao reclamante, na petição inicial, indicar as pessoas jurídicas corresponsáveis contra as quais pretende litigar, inclusive quando tratar-se do mesmo grupo econômico.
Fonte ; Conjur