Direitos sem CLT: regular Apps será “golaço” do governo e do congresso

Jurídico

Regulação do trabalho por plataformas avança sem rejeição: tema une governo, Congresso e trabalhadores em torno de uma modernização possível.

A Câmara dos Deputados se prepara para votar em novembro o texto que pode definir o futuro do trabalho mediado por aplicativos no Brasil. A comissão especial instalada em agosto trabalha em um substitutivo abrangente, que busca equilibrar proteção social, transparência algorítmica, autonomia dos trabalhadores e sustentabilidade das plataformas.

Parlamentares e especialistas concordam que o país tem a chance de fazer um “gol de placa”: criar uma regulação equilibrada e moderna, capaz de proteger os trabalhadores sem sufocar a inovação que deu origem ao próprio modelo digital.

“Vamos fazer tudo junto, tudo que for aplicativo no Brasil, organizado por capítulos para contemplar as especificidades”, explica o relator do projeto de lei complementar 152/2025, Augusto Coutinho (Republicanos-PE). O assunto, segundo ele, deve ficar acima de disputas ideológicas.

“A não regulamentação é ruim para todo mundo; precisamos de um novo modelo de acomodação social”, reforça o presidente da comissão, Joaquim Passarinho (PL-PA).

Acerto político em potencial

Ao contrário do que se teme em parte do debate público, a proposta de regulamentação do trabalho por aplicativos não encontra forte rejeição entre os trabalhadores. A maioria dos profissionais do setor valoriza justamente o que o texto preserva: flexibilidade, autonomia e liberdade para escolher quando e quanto trabalhar.

Entre 2022 e 2024, o número de brasileiros que atuam por meio de plataformas cresceu 25,4%, chegando a 1,7 milhão de pessoas, segundo a Pnad Contínua do IBGE. Em outras palavras, o modelo não é visto como precarização, mas como porta de entrada para o mercado, especialmente para quem busca renda complementar ou autonomia fora da CLT.

O diferencial da proposta em discussão é oferecer direitos sem CLT: garantir seguros contra acidentes, contribuição previdenciária, transparência nas regras de remuneração e proteção contra bloqueios arbitrários, sem transformar o trabalhador em empregado formal. É um meio-termo inédito no país e que, se bem implementado, pode ser bom para todos os lados.

Essa combinação de proteção e liberdade ajuda a explicar por que o tema pode render dividendos políticos. Em vez de desgaste, o debate tende a gerar consenso. A regulação dos aplicativos se apresenta como uma agenda de inclusão sem rigidez, capaz de atualizar direitos trabalhistas para o século digital sem desmontar o que já funciona.

Um “gol de placa” possível

Se o Congresso conseguir entregar um modelo flexível, mensurável e revisável, que o governo apoie e sancione, o país pode combinar proteção, competitividade e inovação, algo que poucas economias conseguiram.

Para o Congresso, é a chance de entregar uma política pública moderna e pragmática, que toca a vida real das pessoas. Para o governo, a oportunidade de impulsionar uma pauta socialmente relevante e politicamente viável.

O equilíbrio entre direitos sociais e liberdade tecnológica não é apenas um debate sobre aplicativos: é também um gesto político de maturidade e pragmatismo. Em um país dividido entre rigidez e improviso, a regulação dos aplicativos pode se tornar o raro caso em que todos ganham: governo, empresas e, sobretudo, trabalhadores.

Dessa vez, tudo indica que governo e Congresso jogam no mesmo time.

Um novo tipo de regulação social e digital

O Brasil chega a esta discussão com uma vantagem: pode aprender com as experiências internacionais, inclusive com os erros de legislações muito rígidas.

Conforme o relator adiantou ao Congresso em Foco, o texto preparado é dividido em capítulos (transporte, entregas e outras plataformas), prevendo regras específicas por setor, mas orientadas por princípios comuns: segurança social, transparência de dados, liberdade econômica e proteção ao consumidor.

A proposta deve incluir:

  • Contribuição previdenciária compartilhada entre trabalhadores e plataformas, adaptada ao tempo efetivo de trabalho;
  • Piso de referência por hora, com compensação de custos operacionais (como combustível e manutenção);
  • Transparência algorítmica e direito à revisão humana em bloqueios e decisões automatizadas;
  • Seguros obrigatórios para acidentes e invalidez, especialmente no delivery;
  • Liberdade de multi-homing (trabalhar em vários apps) e vedação de metas coercitivas.

Empresas do setor apoiam a criação de um marco legal que una proteção e flexibilidade, com regras claras para previdência e segurança. “O Brasil pode fazer uma das maiores inclusões previdenciárias desde 1988”, disse João Sabino, diretor de políticas públicas do iFood, em audiência na Câmara no último dia 14.

O diretor argumentou que o trabalho por aplicativo não deve ser tratado como causa da precarização laboral, mas como alternativa dentro de um mercado historicamente informal. Ele afirmou que 40% dos trabalhadores brasileiros permanecem fora do regime formal e que as plataformas oferecem “mais renda, mais flexibilidade e mais suporte social” do que a realidade enfrentada por boa parte dos autônomos tradicionais.

Segundo Sabino, a proposta do iFood apoia-se em quatro pilares: manutenção da flexibilidade na forma de trabalho, transparência nas regras de remuneração, seguros custeados pelas empresas – inclusive para quem atua em mais de um aplicativo – e inclusão previdenciária, com contribuição das próprias plataformas.


O que o mundo ensina

  • União Europeia: a diretiva pioneira

A Diretiva Europeia de Trabalho em Plataformas (2024) é o marco mais ambicioso do mundo: estabelece presunção de vínculo empregatício quando houver subordinação e cria regras rígidas para a gestão algorítmica. Exige que decisões automáticas (como suspensões ou bloqueios) sejam revisadas por humanos, que os dados coletados sejam auditáveis e que trabalhadores tenham acesso às regras de funcionamento dos algoritmos.

Os países da UE têm até 2026 para adaptar suas legislações. A lição: transparência e governança de dados são fundamentais, mas não necessariamente dependem de reconhecer vínculo empregatício.

  • Espanha: a lição do excesso

A Ley Rider, de 2021, foi além: impôs presunção de vínculo aos entregadores. O resultado foi uma retração do mercado. Empresas como Deliveroo deixaram o país, o número de entregadores caiu e os custos para restaurantes e consumidores subiram. O caso espanhol mostra que regras genéricas e inflexíveis podem produzir efeitos colaterais indesejados, reduzindo oportunidades e competitividade.

  • Alemanha e Itália: a via do meio

A Alemanha, impulsionada por decisões judiciais e pelas diretrizes da União Europeia, vem avançando na proteção dos trabalhadores de aplicativos. O país reconhece o vínculo empregatício em casos de subordinação algorítmica, exige transparência nos sistemas automatizados e garante acesso à remuneração justa e à proteção previdenciária quando comprovada a dependência econômica do trabalhador em relação à plataforma.

A Itália adotou um modelo intermediário de regulação do trabalho por aplicativos, com a categoria de “parassubordinação” – trabalhadores autônomos, mas economicamente dependentes e sujeitos a controle das plataformas. Criada pelo decreto 276/03 e consolidada pela Lei 128/19, essa figura garante proteção previdenciária, seguro contra acidentes, remuneração proporcional ao tempo de conexão e proteção contra desligamento arbitrário.

  • Portugal e Chile: dualidade e transparência

Portugal reforçou o vínculo em casos de controle efetivo, em um modelo que também afastou algumas empresas do país. Já o Chile distinguiu trabalhadores “dependentes” e “independentes”, ambos com acesso à previdência e direito à transparência de algoritmos. A dificuldade chilena: muitos autônomos não recolhem contribuições, revelando que inclusão depende de incentivos, não só de obrigação legal.


O alerta europeu: regulação que protege o presente, mas trava o futuro

O entusiasmo regulatório da União Europeia na última década oferece uma lição de cautela. Em nome da proteção, o continente criou uma série de normas que se tornaram referência global, e fardo econômico interno.

O Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), em vigor desde 2018, elevou o padrão de privacidade e segurança digital no mundo, impondo controle rígido sobre coleta, armazenamento e uso de dados pessoais. Já o Digital Services Act (DSA), de 2022, busca responsabilizar plataformas por conteúdo ilegal ou nocivo. E o Digital Markets Act (DMA) impõe limites à atuação das grandes empresas de tecnologia, para evitar monopólios e práticas anticompetitivas.

Embora tenham aprimorado a transparência e a ética digital, essas legislações também encareceram a inovação. Estudos mostram que, após o GDPR, o tráfego online europeu caiu cerca de 5%, startups migraram para outros mercados e a Europa passou a investir menos em tecnologia do que Estados Unidos e Ásia.

Em outras palavras: regulação precoce protege o presente, mas pode sacrificar o futuro. Embora o zelo seja necessário, o excesso pode trazer prejuízos. É preciso conciliar direitos com a sobrevivência do ecossistema.

Como transformar o impasse em acerto

A comissão pretende incluir mecanismos de adaptação contínua, evitando rigidez:

  • Implementação em fases, com revisão anual;
  • Conselho tripartite (governo, trabalhadores e empresas) para ajustar pisos, seguros e alíquotas;
  • Indicadores públicos de transparência algorítmica e segurança social;
  • Pilotos regulatórios para medir efeitos antes da aplicação nacional.

Uma legislação equilibrada poderá:

  • proteger o trabalhador sem burocratizar;
  • dar segurança jurídica às empresas;
  • e estimular inovação com responsabilidade.

Fonte : https://www.congressoemfoco.com.br/noticia/113093/direitos-sem-clt-regular-apps-sera-golaco-do-governo-e-do-congresso

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