A roupa que usamos, a comida e a bebida do dia a dia, a compra de bens de consumo e as atividades de lazer são exemplos de como o clima molda o comportamento de consumo e, consequentemente, o desempenho do varejo, um setor fortemente movido pela sazonalidade. Uma pesquisa da American Meteorological Society mostra que 3,4% das vendas do varejo no mundo são diretamente afetadas pelas mudanças climáticas a cada ano, o que equivale a cerca de US$ 1 trilhão em vendas globais.
O Brasil tem apresentado exemplos desse cenário. Em 2024, foram vendidos 5,88 milhões de aparelhos de ar-condicionado, um aumento de 38% em relação a 2023. O avanço foi impulsionado pelas altas temperaturas no ano mais quente da história, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e da Organização Meteorológica Mundial (OMM). No caso brasileiro, a previsão climática ganha caráter ainda mais estratégico na primavera e no verão, período da safra mais relevante colhida no País, responsável por uma fatia expressiva do PIB (Produto Interno Bruto). Chuvas mal distribuídas ou insuficientes comprometem culturas como soja e milho entre outras, gerando perdas bilionárias.
A alternância de fenômenos como El Niño e La Niña reforça a importância do planejamento antecipado por parte do varejo. Enquanto o primeiro tende a intensificar ondas de calor e reduzir chuvas em algumas regiões agrícolas, o segundo pode provocar estiagens prolongadas no Sul e excesso de chuvas nas regiões Norte e Nordeste. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que, em anos de El Niño, a produção de soja pode recuar mais de 10% em determinadas áreas do País.
As altas temperaturas também são um gatilho para a expansão dos mercados de bebidas e alimentos gelados. Um levantamento da Associação Brasileira de Embalagem (Abre) aponta que, entre os verões de 2021/22 e 2022/23, o gasto médio com bebidas fora de casa cresceu 30%. No ambiente doméstico, o consumo de energéticos subiu 41% e o de chás prontos, 27%. A persistência do El Niño no verão de 2023/24 potencializou ainda mais esse quadro.
O setor de sorvetes é outro exemplo: ondas de calor podem elevar em até 50% as vendas, segundo a Associação Brasileira das Indústrias e do Setor de Sorvetes (ABIS). Em 2023, um levantamento da Top Taylor, fornecedora de equipamentos para foodservice, mostrou que 74% das empresas ampliaram sua produção, resultando em aumento de 15% no consumo nacional, que alcançou 438 milhões de litros.
O impacto das condições meteorológicas nas vendas tende a ganhar mais força nos próximos meses, considerando a tendência de agravamento do risco climático. O inverno de 2025 foi o mais frio dos últimos 30 anos em São Paulo, impulsionando as vendas de roupas de frio, aquecedores e produtos sazonais. A previsão de um La Niña fraco para este ano, aponta para um período de volatilidade: dias de calor intercalados com chuvas e oscilações de temperatura, exigindo ainda mais atenção do varejo.
Diante da intensificação dos eventos extremos, transformar dados climáticos em inteligência, além de ser um diferencial competitivo, pode representar uma necessidade de sobrevivência para determinados setores. Empresas que utilizam modelos preditivos meteorológicos podem ajustar estoques, planejar campanhas promocionais, dimensionar a produção e otimizar a logística, calibrar melhor os preços. O clima passou a ser variável estratégica para o mercado de consumo.
Em alguns setores, o clima é mais relevante até do que a economia. Em 2023, uma mudança brusca de temperatura entre agosto e setembro zerou os estoques de ar-condicionado da Adias, distribuidora de aparelhos climatizadores. Esse movimento coincidiu com a seca histórica da Bacia do Rio Amazonas, que paralisou a navegação e afetou a indústria concentrada em Manaus. A escassez de produtos fez os preços dispararem mais de 50%. Tudo provocado pelo clima.
O clima, portanto, é um elemento central na dinâmica do consumo e no desempenho do varejo. Da oscilação nas safras à explosão de vendas de equipamentos de climatização e alimentos sazonais, passando pela volatilidade de preços e estoques, a influência meteorológica se manifesta em múltiplas frentes.
Assim, os segmentos do varejo que souberem antecipar tendências, ajustar operações e alinhar decisões a essas variáveis estarão mais bem preparados para enfrentar as incertezas e aproveitar as oportunidades que o clima, inevitavelmente, continuará a impor.Alexandre Nascimento é sócio-diretor e meteorologista da Nottus
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Fonte : https://mercadoeconsumo.com.br