Compreender o tema 1.232: desafio para quem atua na Justiça do Trabalho

Jurídico

A discussão sobre responsabilidade por dívida, em relação a empresas que compõem um grupo econômico, não é nova. Lembro que na primeira especialização que fiz, em processo civil na Unisinos (2003), redigi minha monografia sobre a Súmula 205 do TST, então vigente. Nela, o Tribunal Superior do Trabalho proibia a inclusão de empresas de grupo econômico na fase de execução, se não tivessem sido parte na fase de conhecimento. A súmula foi cancelada em 21 de novembro de 2003, antes mesmo que eu fizesse a defesa da monografia.

E foi cancelada exatamente porque o TST acabou reconhecendo que responsabilidade é matéria de execução. Afinal, só é relevante — em um processo judicial — saber quem são os garantidores da dívida, quando há dívida.

Imaginem demandar contra a empregadora e mais dez empresas responsáveis pela dívida, para ao final da fase de conhecimento ter uma sentença de improcedência. Ou imaginem fazer o mesmo, para ao final da fase de conhecimento formar um título e a devedora pagá-lo, assim que intimada. Qual teria sido a razão para movimentar tanta gente, discutir tantas teses?

Com esses exemplos, já temos a dimensão da profundidade do problema que o Tema 1.232 explicita. Caso o objetivo fosse realmente dar efetividade ao processo, o caminho seria completamente diverso. A preocupação se voltaria à redução das possibilidades de recurso; à efetividade da execução contra quem usou diretamente o trabalho; à coibição da proliferação de pessoas jurídicas e das facilidades de mobilidade/ocultação do patrimônio.

Fato é que para a formação do título, deveria bastar direcionar a demanda contra o sujeito com quem se tem relação jurídica material. Essa compreensão era pacífica e estava explicitada nos textos dos artigos 595 e 596 do CPC, que tratavam do direcionamento da execução contra os responsáveis (sócios, sucessores, fiador, etc), sempre na fase de cobrança da dívida.

No campo da execução trabalhista, essa é a regra até hoje, basta ver que a legitimidade extraordinária está prevista no artigo 4o da Lei dos Executivos Fiscais, para a qual a CLT expressamente remete (artigo 889). E neste dispositivo está fixada a possibilidade de direcionamento da execução contra os “responsáveis a qualquer título”. Da perspectiva do discurso legislativo, portanto, responsabilidade passiva extraordinária segue sendo matéria de execução no campo trabalhista.

Lembro que, na época em que fiz o trabalho, me servi de textos de Jorge Souto Maior, Cláudio Armando Couce de Menezes e de outros autores que faziam crítica à redação da súmula 205 do TST, exatamente por subverter a lógica de que apenas na fase de cumprimento do título a responsabilidade passiva extraordinária torna-se processualmente relevante. Afinal, o garantidor só pode mesmo discutir sua responsabilidade. Não tem relação material com o credor. Logo, não tem legitimidade para discutir matérias relativas à relação material que justifica a formação do título judicial (sentença condenatória).

Mais de 20 anos passaram e voltamos ao mesmo raciocínio que vigorou no TST de 1985 a 2003. Um movimento de retrocesso na compreensão da função judicial que tem como principal deflagrador o texto da Súmula 331 do TST e, consequentemente, o modo como o sistema de justiça laboral assimilou e foi conivente com a prática da terceirização.

A Súmula 331 do TST criou uma exigência processual de litisconsórcio, em seu item IV (“O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial”). Não houve reação por parte da maioria das pessoas que lidavam com o sistema de justiça laboral. O dano estava feito. Exigir a presença da tomadora no polo passivo, no processo de conhecimento, é subverter a ideia de que a responsabilidade é matéria de execução, criando um grave problema de ordem prática (para o trabalhador que segue atuando na mesma tomadora, por exemplo) e de ordem jurídica (pois logo a confusão se estendeu para discussões sobre a possibilidade da tomadora discutir horas extras, se opor ao acordo eventualmente formulado entre empregador e empregado, elidir os efeitos da revelia da prestadora).

Ao contrário do que era de se esperar — e que seria provavelmente o desfecho caso a tal “doutrina mais autorizada” estivesse preocupada com a efetividade das demandas judiciais – não houve reação eficaz por parte dos processualistas. Ao contrário, a capilaridade nociva da terceirização, de que se beneficiam especialmente a administração pública e as grandes empresas, fez com que o discurso se alterasse também no campo do processo civil.

O CPC de 2015, então, criou um incidente processual para que a responsabilidade passiva extraordinária pudesse ser reconhecida e estabeleceu a possibilidade de que esse incidente se instaure também na fase de conhecimento, antes mesmo de saber se há dívida.

Aliás, aqui é preciso compreender o quanto esse movimento de defesa do patrimônio dos grandes devedores — no fundo é disso que se trata — vai na contramão do discurso encampado pelo CPC e desde sempre presente na CLT, de que o processo tem por objetivo a realização do direito material. Por muito tempo, toda a base conceitual discursiva do processo civil sustentou um procedimento judicial em que a declaração sobre quem tem razão num processo (fase de conhecimento) se apartava completamente da realização desse direito, ou seja da correção — pelo Estado — da lesão à ordem jurídica (fase de execução).

As regras processuais trabalhistas, ao contrário, já em sua origem (nos decretos de 1932 e na CLT) tratam de um procedimento único, em que não há separação entre conhecimento e execução. Ou seja, no qual o objetivo do processo não é declarar quem tem razão, mas sim realizar o direito. Por isso, não havia previsão de prescrição intercorrente no processo do trabalho (até a reforma), nem necessidade de trazer garantidores da dívida para o polo passivo antes de formar o título. Por isso, é o artigo 2o da CLT, quando define a figura do empregador, que trata do grupo econômico.

O texto do CPC caminhou nessa direção, com a reforma de 2005. O processo virou um só: não havia mais separação entre conhecimento e execução. Mas não houve problematização eficiente das razões pelas quais essa separação implica uma visão da função judicial, que se opõe ao caráter instrumental do processo, tão efusivamente defendido pelos processualistas civis contemporâneos. E o resultado dessa dificuldade em superar a função originária do processo civil (proteger bem mais a circulação da propriedade privada do que as pessoas) fez com que logo se formasse uma compreensão, pela qual o credor deve pedir ao Estado que promova a execução. Algo que a Lei 13.467 tentou impor à racionalidade processual trabalhista, sem tanto sucesso. Afinal, no âmbito da Justiça do Trabalho, nunca houve dúvida de que quem ingressa com uma demanda judicial não pretende um título que o declare credor, mas sim pretende e precisa (com urgência) do crédito que lhe permita seguir sobrevivendo.

Chego, então, à questão do grupo econômico, agora tratada no Tema 1.232, recentemente publicado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Toda essa preleção é necessária, porque não há como compreender o que está em jogo, sem conhecer o caminho que nos trouxe até aqui. Não é por desconhecimento ou ingenuidade que o STF vem tratando de terceirização, vínculo de emprego e pejotização como se fosse tudo a mesma coisa. Por trás de argumentos que justificam terceirização de atividades essenciais para a empresa e contratação de pessoas como se fossem PJs está a tentativa de apagamento da figura do empregador e, com esse apagamento, a destruição do que compreendemos como vínculo de emprego.

A questão do grupo econômico, embora aparentemente se refira à responsabilidade pela dívida trabalhista, transita no mesmo campo ideológico de convencimento de que não devemos mais ter proteção social para quem trabalha. A aparente confusão entre questões distintas explicita uma intenção bastante nítida de dificultar o cumprimento da dívida trabalhista, desestimulando o ajuizamento da demanda judicial.

A discussão, lá no início do século, em relação à súmula 205 do TST, era justamente sobre o fato de que grupo econômico é empregador. Está definido no artigo que trata da figura do empregador. Essa escolha legislativa foi definida como teoria da despersonalização: empregador não é apenas quem assina a CTPS, mas todas as pessoas físicas e/ou jurídicas que, juntas, formam a figura do capital, do empreendimento que utiliza a força de trabalho. Até o insuspeito Octavio Bueno Magano dizia que o grupo é o empregador. Logo, estando no polo passivo a pessoa jurídica que assina a CTPS, estão todas as componentes do grupo ali representadas e devidamente cientes da lide.

A Lei 13.467 alterou a redação do artigo 2o da CLT e manteve a figura do grupo econômico, expandindo, inclusive, seu alcance. Hoje, o empregador se configura quando “uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra” e também quando “guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico”.

Nos dois casos, essas empresas são “responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego” (§ 2o ). Essa segunda hipótese (grupo econômico) se caracteriza quando, além ou mesmo sem a identidade de sócios, se verifica que há, entre as empresas, “interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes” (§ 3o).

Essa é a redação da reforma profundamente destrutiva que a CLT sofreu em 2017. E, curiosamente, neste aspecto a proteção se tornou mais efetiva, pois a redação que resultou dos parágrafos desse dispositivo ampliaram os critérios para reconhecimento do grupo econômico, indo ao encontro de toda a doutrina laboral que sustentou a redação original deste artigo. Esse é o parâmetro legal vigente. É dela, portanto, que precisamos partir para entender o que o STF estabeleceu como interpretação prevalente, por meio do tema 1232.

No verbete que resultou do julgado (Tema 1232) consta: “1 – O cumprimento da sentença trabalhista não poderá ser promovido em face de empresa que não tiver participado da fase de conhecimento do processo, devendo o reclamante indicar na petição inicial as pessoas jurídicas corresponsáveis solidárias contra as quais pretende direcionar a execução de eventual título judicial, inclusive nas hipóteses de grupo econômico (artigo 2°, §§ 2° e 3°, da CLT), demonstrando concretamente, nesta hipótese, a presença dos requisitos legais”.

Grupo econômico, portanto, segue tendo as características do artigo da CLT que define a figura do empregador. As empresas que dele participam seguem tendo responsabilidade solidária. O retrocesso está na obrigação – que não encontra respaldo na leitura do artigo 2° da CLT ou do artigo 4° da LEF — de direcionar a demanda de conhecimento também contra esses responsáveis. É um retorno à discussão que o TST aparentemente havia superado em 2003, mas que ele mesmo manteve, por meio da redação da Súmula 331.

Ainda assim, não autoriza uma confusão ainda maior, que parece estar sendo proposta por alguns intérpretes do tema. Grupo econômico, sucessão trabalhista e responsabilidade de sócios não se confundem.

O grupo é formado pelas empresas que compõem a figura do empregador (artigo 2° da CLT). A sucessão é uma situação completamente diversa, em que uma empresa substitui a outra, assume o patrimônio e, por isso, carrega a dívida. Está prevista nos artigos 10 e 448 da CLT. Por fim, a desconsideração, que começa a ser aplicada no Brasil, a partir de um artigo doutrinário publicado por Rubens Requião ainda na década de 1950, e que só depois entra no discurso legislativo, é o ato de “retirar o véu” que encobre a ficção jurídica de uma empresa, para ir atrás do patrimônio que porventura esteja em nome dos sócios, quando há (segundo o artigo 50 do Código Civil) “abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial” ou ainda quando há (segundo o art. 28 do CDC) “abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social”, “falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”.

Pois bem, no item 2 do tema 1232, consta: “Admite-se, excepcionalmente, o redirecionamento da execução trabalhista ao terceiro que não participou do processo de conhecimento nas hipóteses de sucessão empresarial (artigo 448-A da CLT) e abuso da personalidade jurídica (artig 50 do CC), observado o procedimento previsto no artig 855-A da CLT e nos arts. 133 a 137 do CPC”.

Nesse item, portanto, o STF está analisando as duas últimas situações que não guardam relação — se não porque também tratam de responsabilidade passiva extraordinária — com a figura do grupo econômico. E, ao que tudo indica, está prestigiando a regra mais restritiva do Código Civil, em detrimento daquela do Código de Defesa do Consumidor, bem mais afinada ao princípio tuitivo que orienta e justifica a existência do processo do trabalho. Não impede, porém, a aplicação subsidiária do CDC, plenamente compatível com a regra do artigo 889 da CLT.

Por fim, na parte 3 do tema consta : “Aplica-se tal procedimento mesmo aos redirecionamentos operados antes da reforma trabalhista de 2017, ressalvada a indiscutibilidade relativa aos casos já transitados em julgado, aos créditos já satisfeitos e às execuções findas ou definitivamente arquivadas”.

Pois bem, no que se refere ao grupo econômico, não há propriamente novidade, apenas o reforço de uma compreensão que a própria Justiça do Trabalho já havia encampado com a redação da Súmula 331.

A antecipação da discussão sobre responsabilidade da dívida (antes mesmo de saber se há dívida!) foi chancelada nesse tema. A partir de hoje, portanto, será necessário que os trabalhadores ajuízem demandas contra todas as empresas que compõem grupo econômico, com toda a complicação prática, processual e teórica que daí decorre. Espero que isso não gere resistência por parte da magistratura, pois não haverá saída: teremos de lidar com processos em que o polo passivo será cada vez mais extenso.

Sim, pois a facilidade em criar pessoas jurídicas e fazer transitar patrimônio, “fatiando” a empresa, terá como resultado — em razão desse entendimento — a necessidade de ajuizamento de demanda contra 3, 5, 20 pessoas jurídicas diversas, para poder garantir a efetividade da dívida, caso ela seja reconhecida como existente. Algo que contraria diretamente a ideia de redução e pacificação dos litígios, diga-se de passagem.

Minha questão aqui, porém, é outra. Chamar a atenção para o fato de que os itens 2 e 3 do Tema 1232 não tratam de grupo econômico, mas de outros fenômenos que geram responsabilidade e que com essa figura não se confundem.

Portanto, não façamos nós essa confusão

Para os processos em curso, já na fase de cumprimento da dívida (quando efetivamente se torna relevante saber se há garantidores para os créditos fundamentais trabalhistas), em que houver necessidade de chamar empresa do mesmo grupo econômico, bastará demonstrar ao juízo de execução que estão preenchidos os requisitos do artigo 2° da CLT.

As empresas do grupo não são terceiros, nem sucessores, nem sócios. Estão compreendidas na figura do empregador. Ou isso, ou ajuizar uma nova demanda trabalhista apenas para provar a “corresponsabilidade”, como refere o texto do tema em análise, o que multiplicaria ainda mais o número de demandas, boicotando o suposto objetivo de redução da quantidade de ações com as quais lidamos todos os dias.

A única compreensão que me parece completamente dissociada da redação do tema 1232, e da própria noção de monopólio da jurisdição, é a que pretende exigir prova dos requisitos de sucessão ou desconsideração, para que empresas do grupo sejam cobradas pelos débitos que possuem, pois confundem fenômenos distintos. Seria de importância vital retomar estudos mais profundos a respeito da responsabilidade e da posição processual dos garantidores da dívida, separando situações que não se confundem, sob pena de — a exemplo do que infelizmente ocorre em outros casos — extrairmos do Tema 1.232 o que ele não diz, com o efeito devastador de impedir que créditos trabalhistas sejam honrados.

Se essa for a compreensão, a saída será perseguir diretamente o patrimônio dos sócios e apenas então, se necessário, propor a chamada desconsideração inversa, o que também implicará um efeito deletério, tanto para o andamento do processo quanto para a sua efetividade.

Não é razoável, insisto, qualquer interpretação que impeça de buscar o patrimônio que se beneficiou da força de trabalho.

Afinal, por trás de toda essa discussão está a premissa de que a Justiça do Trabalho existe para efetivar direitos que a Constituição reconhece como alimentares e, por isso, fundamentais. Quando uma decisão judicial estabelece que houve lesão a direitos trabalhistas, a função do Poder Judiciário é atuar para que o crédito seja satisfeito. Se não atuar para efetivar o direito do trabalho, a Justiça do Trabalho perderá seu sentido.

Fonte : https://www.conjur.com.br/2025-out-22/compreender-o-tema-1-232-desafio-para-quem-atua-na-justica-do-trabalho

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