Assunto extremamente sensível refere-se àqueles trabalhadores que são demitidos de seus empregos em razão de serem diagnosticados com alguma doença grave que provoque estigma e preconceito. Aliás, em tempos pretéritos, esse assunto já fora abordado nesta coluna à luz das dificuldades enfrentadas no ambiente laboral pelas pessoas acometidas de câncer .
Dados estatísticos
De acordo com uma recente pesquisa, aproximadamente 55,6 milhões de brasileiros já sofrem no trabalho algum tipo de assédio, discriminação e/ou preconceito enquanto realizavam as suas atividades laborais, o que equivale dizer que quatro em cada dez pessoas já enfrentaram tal problemática.
Já um estudo de 2024, revelou que os processos relacionados com demissões por supostas práticas discriminatórias subiram 16,5% no ano de 2023, em comparação ao ano anterior, o que representou um total de 16 mil ações sobre o tema . E alguns Tribunais Regionais também concluíram que no ano de 2023 houve um aumento das demissões por discriminações, na qual as dispensas teriam ocorrido por motivos pessoais, e não profissionais .
Assim, em razão da sensibilidade da matéria, o tema foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana, na coluna Prática Trabalhista desta ConJur , razão pela qual agradecemos o contato.
Legislação
Do ponto de vista normativo no Brasil, de um lado a Constituição dispõe, em seu artigo 5º, sobre os direitos e garantias fundamentais, assegurando a igualdade entre todas as pessoas. Lado outro, a Lei 9.029/95 proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização, além de outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho Para além disso, impende destacar que existem ainda diversas leis infraconstitucionais tratando sobre discriminação.
Do ponto de vista internacional, a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) discorre sobre a discriminação em matéria de emprego e trabalho, o que revela a preocupação em escala mundial sobre o tema. Noutro giro, a Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho preceitua que “presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito”.
Lição de especialista
Sobre o assunto, oportunos aqui são os ensinamentos da professora Cristina Paranhos Olmos :
“Conclui-se, portanto, que a discriminação está intimamente ligada à diferenciação que é feita entre as pessoas, em determinada situação, em razão de determinada característica, que, por si só, não interfere no bom andamento do trabalho, ou ainda, que não possui qualquer relação com a atividade desenvolvida.
(…). Não é possível avaliar se uma pessoa pode desenvolver uma atividade profissional melhor ou pior que outra porque ela não é negra, não é homossexual, não é evangélica, ou não integra qualquer desses grupos sabidamente compostos por minorias, habitualmente discriminadas. As características importantes para o exercício do bom trabalho são completamente diferentes daquelas que inspiram a discriminação, ou seja, são as peculiaridades íntimas, de caráter, como lealdade, honestidade, comportamento adequado, comprometimento com o trabalho, senso de responsabilidade, entre outras”.
Tese vinculante do TST
De acordo com pesquisa feita pelo TST, realizada em 17/6/2025, foram identificados nos últimos 12 meses exatos 219 acórdãos e 1.309 decisões monocráticas envolvendo o debate sobre a matéria . Por tais razões, a Corte Superior Trabalhista reafirmou a sua jurisprudência fixando a seguinte tese vinculativa ao julgar o RR – 0011349-11.2022.5.15.0026: “Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego”.
Nesse sentido, considerando a nova tese vinculante (Tema 254) que passa a ser obrigatória para os demais órgãos da Justiça do Trabalho, o TST reafirma a sua jurisprudência, representada pela Súmula 443, para vedar a dispensa de trabalhadores que sejam diagnosticados com doenças graves que possam provocar estigma e preconceito.
Ao definir a tese, o ministro relator ponderou:
“O teor do verbete diz respeito a debates que envolvem a possibilidade de se presumir o caráter discriminatório da dispensa nos casos em que o empregado dispensado é portador de doença grave estigmatizante, matéria que resolve em face do disposto nos arts. 3º, IV, 5º, XLI, e 7º, XXXI, da Constituição Federal e 1º da Lei nº 9.029/95. (…). Feitos tais registros, verifica-se que o representativo definido para alçar o tema a debate foi interposto em face de acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 15 Região que, adotando entendimento diverso daquele adotado por este C. Tribunal Superior do Trabalho, decidiu no sentido de não reconhecer a doença discriminatória por ausência de provas, mesmo em se tratando de doença grave claramente estigmatizante (câncer). (…). A atuação qualificada e célere do Tribunal Superior do Trabalho sob o rito dos recursos repetitivos converge para sua finalidade precípua como Corte de precedentes – ainda com mais razão nestes casos em que já produziu jurisprudência pacificada sobre a matéria, bastando que haja sua reafirmação sob rito destinado à conversão em precedente obrigatório, de modo a evitar o inchaço do sistema recursal e o desnecessário prolongamento das lides”.
Fonte : https://www.conjur.com.br/