Uma dúvida corriqueira que surge nas empresas, bem como para os trabalhadores, refere-se ao prazo para entrega da documentação devida no momento da extinção do contrato de trabalho que comprove a comunicação da cessação contratual junto aos órgãos competentes. Isso porque, como se sabe, o artigo 477 da CLT traz algumas obrigações a serem observadas pelos empregadores no término da relação contratual, sob pena de multa.
Aliás, de acordo com o ranking de assuntos mais recorrentes na Justiça do Trabalho, até março de 2025 a multa prevista no artigo 477 da CLT aparece em quinto lugar, com 139.244 processos que abordam essa matéria [1].
Nesse sentido, questiona-se: caso a empresa efetue o pagamento das verbas rescisórias dentro do prazo corrido de dez dias, mas não entregue os documentos que atestem a comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes, será devida a multa prevista no artigo 477, § 8º, da CLT? E qual é o hoje o entendimento predominante no âmbito da Justiça do Trabalho?
Legislação
Com o advento da Lei da Reforma Trabalhista, o artigo 477 da CLT teve algumas alterações e, para além da modificação do próprio “caput”, o seu parágrafo 6º [2] passou a dispor ser obrigatória a entrega de documentos que comprovem a comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes, bem como o pagamento dos valores constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação, tudo dentro do prazo alusivo de até dez dias corridos, contados a partir do término do pacto laborativo.
Nesse sentido, havia uma discussão jurisprudencial: a multa prevista no § 8º [3] do artigo 477 seria aplicada somente em caso de atraso no pagamento das verbas rescisórias ou sa multa também seria devida em caso de inobservância do prazo para o fornecimento das guias para soerguimento do FGTS e para habilitação junto ao Seguro-Desemprego?
Tese vinculante
Sabe-se que o Tribunal Superior do Trabalho é um órgão uniformizador de jurisprudência, de sorte que nos últimos tempos a corte tem definido teses vinculantes que, doravante, servem de orientação paras as relações trabalhistas. Aliás, neste atual cenário, impende destacar que os precedentes vinculantes são decisões judiciais que devem ser obrigatoriamente seguidas por outros tribunais e juízes em casos semelhantes [4]. Portanto, com a padronização da jurisprudência a partir da fixação de temas vinculativos, o objetivo é que se evitem julgados conflitantes que tratem da mesma temática.
Conforme dito anteriormente, do ponto de vista normativo no Brasil, de um lado o artigo 477 prevê alguns deveres ao empregador no momento da extinção contratual. Lado outro, o artigo 132-A, § 5º, do Regimento Interno do TST [5], estabelece o procedimento para a reafirmação da jurisprudência.
À vista disso, recentemente a Corte Superior Trabalhista fixou o seguinte entendimento consubstanciado em tese vinculante [6]:
“Extinto o contrato de trabalho na vigência da Lei nº 13.467/2017, é devida a aplicação da multa do artigo 477, § 8º, da CLT quando o empregador deixar de entregar os documentos que comprovem a comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes em até dez dias do término do contrato, ainda que as verbas rescisórias sejam pagas no referido prazo”.
Ora, a fixação desse precedente vinculativo se deu em razão do julgamento do RR-0020923-28.2021.5.04.0017 (Tema 127), cuja afetação da temática evidenciou, desde o início, a relevância do debate no âmbito do TST. Isso porque o assunto ainda era objeto de controvérsia em alguns Tribunais Regionais do Trabalho, de modo que, não obstante as decisões do TST sobre o assunto, ainda existia entendimentos diversos nas instâncias ordinárias.
Lição de especialista
A respeito das obrigações que devem ser cumpridas pelo empregador, oportunos os ensinamentos de Élisson Miessa e Henrique Correa [7]:
“Após o término do contrato de trabalho, cabe ao empregador cumprir algumas obrigações como o pagamento das verbas rescisórias e a anotação na CTPS do trabalhador. Há, inclusive, obrigações que permanecem aos empregados, como o dever de lealdade e a proibição de revelação de segredo de empresa, ainda que não mantenha vínculo empregatício. Segue a redação do art. 477 da CLT: (…). A Reforma Trabalhista alterou a redação do ‘caput’ do artigo em apreço para estabelecer as três principais obrigações aos empregadores após o término do contrato de trabalho: a) anotação do término na CTPS do empregado; b) comunicação da dispensa aos órgãos competentes: essa exigência tem a função de permitir o saque do FGTS e requerimento do benefício do seguro-desemprego; e c) pagamento das verbas rescisórias no prazo estabelecido. A anotação da CTPS deve ser realizada no prazo de 48 horas e devolvida ao trabalhador. A retenção da Carteira de Trabalho do empregado pode assegurar ao empregado o direito à indenização por danos morais, caso comprovado que a atitude de recusa na devolução tenha causado prejuízos ao trabalhador, como a impossibilidade de um novo emprego”.
Precedente obrigatório
Com a afetação do assunto junto ao TST (Tema 127), a corte reafirmou a sua jurisprudência no sentido de que a multa do artigo 477, § 8º, da CLT, que equivale a um salário do trabalhador, será devida tanto no atraso do pagamento das verbas rescisórias, quanto no atraso da entrega de guias e documentos necessários após dez dias do término do contrato de trabalho.
A propósito, o atual ministro presidente do TST no v. acórdão destacou:
“Ressalta-se que o intuito da alteração legislativa é de dar maior garantia ao empregado e facilitar o exercício de eventuais direitos, como, por exemplo, a movimentação dos valores depositados na conta vinculada do FGTS e a habilitação ao seguro-desemprego. A falta da referida comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes gera óbices ao exercício de determinados direitos pelo trabalhador, podendo colocar em risco a própria subsistência do empregado. Desta feita, a inovação legislativa é justamente no sentido de assegurar a efetividade dos direitos sociais fundamentais trabalhistas, devendo ser observada a partir de sua vigência. No caso em exame, o recurso de revista de que trata o tema afetado para representativo de controvérsia merece ser conhecido, por divergência jurisprudencial, já que a parte logrou demonstrar a existência de entendimentos divergentes sobre a temática”.
Conclusão
Portanto, a partir da formação da Tese 127 do TST, não há mais espaço para dúvidas sobre o tema, vale dizer, o prazo de 10 dias se aplica para o pagamento das verbas rescisórias, como também para o fornecimento dos documentos que atestem a comunicação da extinção contratual.
Em arremate, é importante ressaltar que o ato de desligamento de todo e qualquer trabalhador da empresa é sempre um momento delicado, e, justamente por isso, deve-se ter cautela quando da ocorrência da dispensa. Não são raros os casos em que existem atrasos na entrega dos documentos rescisórios por parte do empregador. Por isso, a entrega da documentação correta – a saber: termo de rescisão do contrato de trabalho; guias, extrato e chave de conectividade do FGTS; guia para habilitação do seguro-desemprego, dentre outros –, para além de cumprir efetivamente o papel social da empresa, afasta quaisquer implicações jurídicas daí decorrentes.
[2] CLT, Art. 477. (…). § 6o A entrega ao empregado de documentos que comprovem a comunicação da extinção contratual aos órgãos competentes bem como o pagamento dos valores constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverão ser efetuados até dez dias contados a partir do término do contrato.
[3] CLT, Art. 477. (…). § 8º – A inobservância do disposto no § 6º deste artigo sujeitará o infrator à multa de 160 BTN, por trabalhador, bem assim ao pagamento da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário, devidamente corrigido pelo índice de variação do BTN, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora.
[5] RITST, Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (…) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado. (…). § 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.
[7] Direito e Processo do Trabalho. 3 ed. rev. atua. e ampl – São Paulo: Juspodivm, 2024. Página 776/777.