Apresentado pelo governo federal em março deste ano, o Projeto de Lei nº 1.087/2025 propõe alterações na legislação do imposto sobre a renda para instituir uma isenção total para quem recebe até R$ 5.000 por mês, um desconto no imposto para quem ganha até R$ 7.000 mensais (recentemente ampliada para R$ 7.350) e um imposto de renda mínimo — cuja nomenclatura foi alterada para tributação mínima do IRPF para altas rendas (incluindo lucros e dividendos) acompanhado da adoção de um “redutor” de limitação da carga tributária total sobre o lucro.
Este artigo se concentra especialmente nessa última proposta — a tributação mínima do IRPF —, já que, embora a iniciativa do legislador seja bem-intencionada, o texto apresenta fragilidades técnicas que merecem atenção.
Nesse caminho, antes de avançar, é importante esclarecer que, na tributação da renda de quem recebe dividendos, são necessários mecanismos de conciliação entre os recolhimentos efetuados pela pessoa jurídica e pela própria pessoa física. Do contrário, haveria uma bitributação econômica da renda, o que pode gerar efeitos indesejáveis, como a retenção ineficiente de lucros pelas companhias.
Esses mecanismos de conciliação, por sua vez, podem ser classificados em métodos de integração total e métodos de integração parcial. Os métodos de integração total conseguem eliminar por completo a bitributação econômica — como é o caso do método das sociedades de pessoas, partnership method e Método Carter —, enquanto os métodos de integração parcial apenas atenuam a bitributação. São exemplos de integração parcial a dedução de dividendos e a exclusão dos dividendos, sendo este último o método atualmente adotado pela legislação brasileira, no qual os dividendos são isentos no nível dos sócios .
Volta da tributação dos dividendos Nesse sentido, a mais abalizada doutrina defende que o retorno da tributação dos dividendos no Brasil, com o objetivo de eliminar as atuais distorções do sistema sem gerar outras novas igualmente indesejadas, só poderia ser realizada por meio da adoção de um sistema de integração total no qual seja garantido aos sócios a dedução ou a restituição do imposto de renda recolhido pela empresa sobre o lucro, proporcionalmente aos dividendos recebidos (Método Carter) .
A título de exemplo, lembremos das sociedades de advocacia — que prestam assessoria jurídica, consultoria e representação judicial — e das empresas de engenharia — com atuação em projetos, execução ou consultoria em obras. Ambos são setores que demandam pessoas qualificadas, com faturamento robusto, mas podem operar com estrutura enxuta (especialmente como sociedades unipessoais), tornando viável o pagamento de lucros consideráveis ao sócio.
Nesse ponto, é crucial explicar que tais lucros podem até indicar elevada capacidade econômica, mas não necessariamente refletem grande capacidade contributiva. Afinal, no caso de profissionais liberais ou de pequenas e médias empresas, a retirada de lucros ocorre de forma regular e destina-se ao sustento próprio ou familiar. Despesas com combustível, IPVA, feira mensal, restaurantes ou até mesmo aluguel não são dedutíveis do IRPF, mas, ainda assim, integram o cotidiano das famílias brasileiras.
Exemplo de uma sociedade limitada
Isto posto, imaginemos uma empresa de engenharia na forma de uma sociedade limitada unipessoal sob o regime do Simples Nacional, com receitas oriundas da prestação de serviços (Anexo IV), situada na 5ª faixa de tributação (receita bruta em 12 meses entre R$ 1,8 milhão e R$ 3,6 milhões). Em determinado mês, essa empresa hipotética emite o Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS) e efetua o recolhimento sobre o faturamento (alíquota de 22%), sendo que 18,80% desse montante corresponde à parcela destinada ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ). Após o pagamento das despesas operacionais, a empresa distribui ao sócio um lucro mensal de R$ 52 mil, valor que ele retira de forma contínua para o próprio sustento e o de sua família.
Note-se que, nessa situação fictícia, por força do atual sistema brasileiro de integração parcial (Lei nº 9.249/1995 , o sócio não está sujeito à incidência de Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) sobre esse valor. Com isso, o recolhimento total de Imposto de Renda corresponde a 18,8% ao passo que se esse mesmo valor fosse pago na forma de salário, a alíquota aplicável seria de 27,5% (para bases de cálculo acima de R$ 4.664,68).
No entanto, com a adoção de um sistema de integração total, em uma versão adaptada à realidade brasileira, seria possível prever a incidência de IRPF à alíquota de 27,5% sobre os dividendos recebidos pelo sócio (R$ 52 mil), desde que acompanhado de um crédito de 18,8%, relativo ao imposto já recolhido pela pessoa jurídica.
Dessa forma, o sócio arcaria com um recolhimento adicional de 8,7% sobre os dividendos já tributados, igualando a carga tributária total àquela incidente sobre uma pessoa que recebesse o mesmo valor como salário, sem, no entanto, ultrapassar os limites da tabela progressiva do IRPF.
Antecipação do imposto de renda
O Projeto de Lei nº 1087/2025, à sua vez, institui uma tributação mínima do Imposto de Renda de Pessoa Física aplicado a altas rendas — incluindo lucros e dividendos —, com antecipação mensal de 10% sobre valores que excedam R$ 50 mil. Trata-se, portanto, de uma mera antecipação do imposto devido. Na apuração anual do IRPF, o valor retido na fonte será deduzido do montante efetivamente devido, após o cálculo das despesas dedutíveis previstas na legislação vigente. O resultado dessa compensação, positivo ou negativo, será incorporado ao saldo do Imposto de Renda da Pessoa Física a pagar ou a restituir, conforme apurado na declaração de ajuste anual.
Ou seja, o “creditamento” previsto se limita ao abatimento das retenções mensais da apuração anual, o que é diferente do crédito direto para a pessoa física recebedora dos dividendos nos moldes da integração total. Na situação hipotética acima mencionada, por exemplo, o sócio precisaria recolher 10% na fonte ao invés de 8,7%, resultando em 1,3% a mais do que o atual limite tabela progressiva do IRPF.
Nesse contexto, cabe esclarecer que o ‘redutor’ da tributação mínima do IRPF previsto no próprio PL nº 1.087/2025 (artigo 16-B) é um mecanismo destinado exclusivamente a limitar a carga tributária total incidente sobre os lucros. Para isso, considera-se a soma da alíquota efetiva aplicada à pessoa jurídica (IRPJ e CSLL) com a alíquota efetiva da tributação mínima do IRPF incidente sobre a pessoa física beneficiária. Caso essa soma ultrapasse as alíquotas nominais do IRPJ e da CSLL — fixadas em 34% para a maioria das empresas —, o ‘redutor’ será aplicado sobre os lucros e dividendos, funcionando como um limitador da tributação sobre altas rendas. Em outras palavras, o ‘redutor’ não elimina o eventual excesso de ônus suportado pela pessoa física.
Conclusão
Dando tintas finais à questão, importa ressaltar que não se desconhece a necessidade de uma reformulação da tributação da renda. Em comparação com os outros países, o Brasil tributa muito o consumo e pouco a renda da pessoa física, contribuindo para um cenário de regressividade do sistema tributário e um estado de injustiça fiscal.
Escusado frisar que o estudo mais pormenorizado da matéria acabaria por extrapolar o objetivo desse breve artigo, é oportuno registrar que o Brasil arrecada entre 2% e 3% do PIB com o Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) — patamar semelhante ao de outros países da América Latina —, enquanto nas economias avançadas da OCDE esse número chega a 9% do PIB .
Dito de outro modo, pessoas com menos dinheiro pagam tanto quanto pessoas com mais dinheiro, o que é particularmente preocupante quando somado ao fato de que no país verde e amarelo a renda acumulada pelo 1% mais rico atingiu aproximadamente 23,6% da renda disponível bruta das famílias em 2022.
Isso não significa dizer, no entanto, que se deva abandonar a melhor técnica em prol do simples aumento da arrecadação. O sistema de tomada de crédito de integração total busca a eliminação completa da bitributação econômica, visando a uma tributação única e progressiva na pessoa física. A tributação mínima do IRPF para altas rendas e seu “redutor” previstos na PL 1087/2025, por outo lado, buscam tão somente respeitar um teto para a carga tributária combinada, mas sem necessariamente proporcionar o mesmo nível de neutralização da tributação corporativa para o acionista.
é advogado, graduado pela Universidade de Pernambuco.
Fonte : https://www.conjur.com.br