Relembrando Feargal Quinn: “Trate seus clientes como reis, pois são eles que pagam seu salário, mas trate os colaboradores como clientes, porque são eles que tratam seus clientes”
Mesmo com esses cuidados e recomendações, alguns varejistas negligenciam os seus clientes, porque não cuidam dos seus colaboradores. Dizem que tratam os clientes como reis, mas fazem de tudo para trapacear nessa relação com preços abusivos para produtos vagabundos. Lembre-se da história do borracheiro de estrada, aquele que presta um serviço qualquer, porque imagina que o cliente não vai mais passar por lá e não voltará para reclamar.
Mas no varejo não conheço negócio que não dependa do cliente amanhã. Nem uma funerária, pois quem compra o caixão é o vivo e a maneira como ele foi tratado será contada e lembrada no futuro. Aliás estudos antigos já demonstram que o maior abandono de um local de compra, nem é pelo mau atendimento, mas pela falta de interesse no cliente e o “não atendimento”.
Peter Drucker disse: “A única definição válida para propósito de um negócio é criar valor para seu cliente”. No ecossistema dos stakeholders de um negócio consciente, os clientes têm uma importância igual aos colaboradores.
O cliente não é um “mal necessário”, que muitas vezes é negligenciado pela empresa que se perde em seus processos burocráticos e administrativos, e deixa de cuidar da experiência de compra.
Lembro quando assumi como diretor a loja do Carrefour Anchieta, em São Paulo, que tínhamos um programa de “troca-fácil”. Ou seja, se o cliente comprasse qualquer produto e não estivesse satisfeito por qualquer razão, trocávamos sem questionamentos. No entanto, isso era apenas discurso, pois na verdade, o sistema era tão burocrático e dependia de tantos níveis de aprovação, que quase nunca se concretizava, levando o cliente a uma enorme insatisfação. Mas sabíamos que a “pseudo-economia” gerada por nos recusarmos a efetuar a troca, levava a uma perda ainda maior, originada pelo abandono deste cliente à nossa loja e, principalmente, aos inúmeros conhecidos a quem iria contar sua péssima experiência. Imaginem isso nos dias de hoje, com as mídias sociais?
O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e o varejo pode e deve ser a porta de entrada do mercado de trabalho de milhões de jovens. Mas não é um trabalho fácil. É um trabalho duro, principalmente quando se começa no chão de loja, no caixa, no centro de distribuição, nos laboratórios de preparação do açougue, padaria, confeitaria, rotisserie e outros.
Por isso, devemos tratar colaboradores com amor e respeito, porque eles já têm uma vida dura, passam horas por dia no transporte coletivo para chegarem e voltarem de suas casas e ainda, vários, irem para seus estudos. Quando se atrasam, não perguntamos se estão bem ou como foi a noite anterior. Simplesmente os repreendemos, muitas vezes de forma dura, depois dizemos: “vai lá com um sorriso no rosto e atende bem o cliente”. Com que motivação? Com que educação?
Por isso, Doug Rauch, ex-presidente do Trader Joe’s e ex CEO do Capitalismo Consciente Inc. me ensinou uma vez que: “devemos considerar os clientes como uma das asas de um beija-flor e os colaboradores como a outra asa. Um beija-flor só se sustenta parado no ar em seu belo voo, porque bate ambas as asas numa incrível sincronia. Não pode haver uma batendo mais que outra.”
Jeff Bezos, CEO e fundador da Amazon.com, o maior fenômeno no varejo dos últimos 30 anos, lembra que em todas as reuniões internas da empresa, coloca uma cadeira vazia na sala, para lembrar que uma parte fundamental do ecossistema de stakeholders, não está presente naquela discussão: o cliente. Mas será que seus VPs presentes nessa sala estão realmente representando os colaboradores, trazendo suas vozes, pois quem atende esse cliente ausente, pode ser um colaborador ausente.
Um Varejo consciente entende que todas as partes interessadas (stakeholders) devem ser tratadas como fim e não como meio de se alcançar mais lucro e retorno para a empresa.
Varejos tradicionais, que normalmente ignoram isso, perdem muito espaço junto ao mercado, quando comparados a varejos conscientes que por meio do compromisso de “servir”, desenvolvem empatia à compreensão das necessidades dos clientes, que aumentam sua fidelidade e frequência, quando percebem que realmente têm um negócio se preocupando de verdade com eles.
Os varejistas conscientes entendem que seu papel é servir às pessoas, que escolheram seu negócio para frequentar e comprar, e não que os clientes são apenas consumidores a quem querem vender.
Devemos enxergar clientes como pessoas, que carinhosamente escolheram o nosso negócio para comprar algo e contribuir para a nossa riqueza. Por isso, não devemos ver clientes como meros destinatários para quem queremos vender a qualquer custo.
Consumidor é a pessoa que consome e, com isso, parece que minimizamos sua importância no ecossistema de stakeholders. Mas colaborador é uma pessoa que colabora para que esse consumo exista. E não podemos minimizar sua importância no mesmo ecossistema de stakeholders.
Devemos sempre lembrar uma frase de Sam Walton – fundador do Walmart: “O único stakeholder que pode demitir a todos, inclusive o CEO, e levar ao fechamento do seu negócio é o cliente, simplesmente decidindo investir o seu dinheiro em outro lugar”.
A concorrência é enorme e muitos negócios, em especial varejistas que escolheram o ramo de supermercados, vendem os mesmos produtos dos mesmos fornecedores, muitas vezes pelos mesmos preços. Por que um consumidor vira clientes de uma loja e não de outra?
Preço? Atrai, mas não retém!
Promoções e Ofertas? Atraem, mas não retêm!
Localização? Atrai, mas não retém!
Ambiente físico da loja? Atrai, mas não retém!
E afinidade emocional? Alinhamento de Propósito e Valores? Atraem e retêm porque conquistam o coração do cliente, além do bolso.
Isso só acontece com colaboradores engajados, que entendam o propósito e vivam os valores, sejam respeitados como pessoas e se sintam importantes em suas tarefas.
Há uma parcela de clientes que só estão interessados em preço e em uma certa qualidade.
Mas há uma nova geração de consumidores, que está aumentando a cada dia, que busca muito mais do que isso. Busca “significado” e quando encontram varejistas que entendem e cuidam desta relação emocional, esses clientes se transformam defensores e advogados da marca e da causa do varejista, sendo verdadeiros propagadores das qualidades do negócio e de como se sentem, ao serem bem tratados e individualmente identificados como clientes.
Mas esses clientes também são muito verdadeiros e não falam pelas costas, como a maioria que abandona um varejo. São preocupados e se sentem “donos” para poder reclamar, elogiar e sugerir mudanças e melhorias. Por isso, escute-os.
Só reclama, quem ama!
Reclamações e sugestões são bênçãos para os varejistas, por isso, ouça ativamente e tenha em mente uma regra simples: “Se concorda com a reclamação ou sugestão, quando irá tomar a providência, e se, não concorda, por quê?”
As relações levam anos para serem construídas na confiança e podem ser destruídas num gesto.
Varejista sem propósito, não consegue transmitir aos clientes, “qual a diferença”, desta forma fica tentando adivinhar o que os clientes querem e acaba não honrando aquilo que ele mesmo gostaria de oferecer.
Atua sem personalidade, como uma “barata tonta”, sem convicção da oferta de “valor”, muitas vezes copiando um concorrente hoje, outro amanhã, não transmitindo segurança em seus atos para que os consumidores se tornem clientes fiéis a esse negócio. Há ainda muitos clientes que não são atraídos pelo negócio, pois não identificam o que a empresa oferece. Percebem que ela quer apenas vender e não servir.
B2Me (em inglês significa Business to Me – Negócio para Mim = Eu consumidor final)
Atualmente com a enorme propagação dos smartphones, deixamos de ter um negócio de varejo B2C (Business to Consumer – Negócio para o Consumidor final) para termos um negócio B2Me (Business to Me – Negócio para Mim), que pelo seu celular pode escolher onde ir comparar preços entre lojas físicas e online, ter mais ou menos relações efetivas e até afetivas com a marca do varejo.
Na era da democratização da informação e uso explícito das redes sociais, a capacidade de se elevar ou destruir a reputação de uma marca de varejo cresceu de forma exponencial nas mãos dos consumidores e até não consumidores daquela marca. Por outro, lado, se bem utilizada como uma nova ferramenta de relacionamento e comunicação, novos relacionamentos genuínos podem florescer.
Voltamos aqui a evocar a importância do elemento mais significativo entre construir ou destruir as relações com o poder da comunicação e redes sociais: a confiança! Sentimento, esse, que floresce quando a relação é transparente, autêntica, integra, respeitosa e com amor.
Confiança gera fidelização, que gera melhores vendas, maiores margens e menores despesas.
Quando um varejo consegue alcançar uma relação de alta confiança com seus clientes, estamos sendo elevados ao patamar de um amigo ou familiar deste cliente. Isso faz toda a diferença.
Nesse ponto entra uma questão muito relevante nos dias de hoje: como persuadir os clientes a baixarem o app de nossa empresa? E por meio dele, passarmos a conhecê-los melhor e podermos “educá-los” nas novas tecnologias. E que entendam que o uso da plataforma ajudará, de sobremaneira, a orientá-los nas melhores compras, nos produtos que mais lhe interessam, nas ofertas exclusivas para seu perfil ou pessoa e, com isso, melhorarmos o atendimento, sortimento e precificação.
Somente se conquistarmos a sua confiança poderemos ter todo esse acolhimento e retorno por parte dos clientes.
Com confiança os clientes nos dão permissão até para “persuadi-los”, mas sem confiança não adianta forçar, pressionar ou impressionar, pois não irá influenciá-los.
Entre o Carrefour e o GPA, tive outras três experiencias profissionais, fui o primeiro CEO do Hopi Hari, VP Comercial dos Supermercados Sé e VP Comercial da Dicico, onde trabalhei com Dimitrios Markakis, sócio majoritário da empresa, que se tornou um grande amigo.
Ele tinha sido o que era proprietário e Presidente do Supermercado Cândia, um ícone do varejo alimentar em São Paulo, nos anos 80 e 90, a ponto de ser vendido para o grupo Sonae de Portugal. Após a venda, ainda permaneceu por algum tempo ligado ao negócio, num acordo de non-compete e depois foi alçar novos voos no varejo.
Em 1999, adquiriu uma pequena rede de varejo de materiais de construção, a “Diccico” (na época com dois “c”). Eu acabava de sair de outra experiência de varejo português, pois o Sé Supermercados havia sido adquirido pelo Jeronimo Martins. Mais tarde participei da aquisição do Sé Supermercados pelo GPA.
Por intermédio de um amigo em comum, que havia trabalhado comigo na Arthur Andersen e no Carrefour, o Adilson Pereira, fui apresentado ao Dimitrios. Um líder encantador e cativante. Aceitei ir trabalhar com ele na “Diccico” e logo transformamos o nome da empresa (que originalmente tinha 2 lojas) em Construdecor. Mais tarde ele voltou a adotar o nome Dicico (com um “c”apenas) e posteriormente vendeu com muito sucesso ao grupo chileno, Sodimac.
Mas me lembro bem de uma reunião que estávamos apenas em três pessoas e que para fazer meu ponto de vista ser entendido, fiquei em pé, me dirigi ao flip-chart e comecei a dar uma “aula”. Terminada a reunião, o Dimitrios pediu que eu ficasse na sala e me perguntou se eu sabia a diferença entre “ensinar” e “catequizar”? Foi uma das lições de liderança mais importantes da minha vida. Essa história toda, contei para afirmar que existe sim, uma enorme diferença entre “ensinar” e “catequizar” os clientes.
Vou usar o exemplo do Whole Foods Market – varejo de alimentos nos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra, fundado em 1978 pelo John Mackey, também cofundador do Capitalismo Consciente, entidade que presido no Brasil. O WFM tem como propósito: “Melhorar a saúde das pessoas, do sistema alimentar e do planeta”. Para isso tem um princípio fundamental: “Viver bem começa comendo bem. Se você quer saber o que tem nos produtos que você compra, nossos padrões facilitam, porque se não atender aos nossos padrões, nós não vendemos”.
Mas por outro lado, entendem que o papel do negócio é educar e tentar influenciar positivamente os clientes, mas não podem forçar ou tomar decisões por eles, pois afinal a decisão de consumir é dos clientes. Os clientes só vão adotar as recomendações do Whole Foods Market, porque conquistaram a confiança tão necessária para uma mudança de hábito.
O processo é no longo prazo, enquanto um varejo satisfaz as necessidades imediatas dos clientes, educa-os para o longo prazo.
Nos supermercados brasileiros, vemos o fenômeno da “educação” com produtos light, saudáveis, orgânicos, pré-temperados, pratos prontos, padaria e confeitaria, cortes diferenciados de dianteiro de boi, cervejas artesanais, produtos de limpeza biodegradáveis, vinhos, produtos importados etc.
Porém não temos o direito de forçar e com isso podemos errar nas relações com os clientes. Sempre a decisão final da compra de um produto cabe ao cliente, devemos respeitá-la e entender a sua necessidade, quando isso não acontece, tem outros concorrentes que estarão lá para satisfazer as vontades dos clientes.
Vamos falar de moda de roupa para durar, long-lasting fashion, um impacto positivo para o consumidor, para a economia e para o meio ambiente.
O modelo de fast-fashion caracteriza-se pela produção acelerada de coleções e redução da qualidade dos produtos, além de gerar impactos ambientais e sociais consideráveis. Como consumidores, observa-se uma limitação histórica entre duas opções: adquirir peças de baixo custo e qualidade insatisfatória ou investir em artigos mais caros, presumindo qualidade superior que, muitas vezes, não se concretiza.
Empresas sustentáveis compreendem que prosperidade depende não apenas do atendimento das necessidades dos clientes, mas também de relações equilibradas com todos os stakeholders.
Ganhos de curto prazo não são sustentáveis caso não beneficiem conjuntamente fornecedores, colaboradores e consumidores. No setor de moda, práticas desleais com fornecedores tornaram-se ainda mais evidentes durante a pandemia, agravando situações de vulnerabilidade na cadeia produtiva.
O varejo de moda possui papel relevante na promoção do consumo consciente, facilitando conexões entre pessoas, produtos e o planeta. É fundamental buscar o equilíbrio entre resultados financeiros e impacto positivo socioambiental. O modelo defendido propõe a oferta de roupas básicas, de alta durabilidade, produzidas eticamente com matérias-primas sustentáveis e comercializadas a preços justos para clientes e fornecedores.
Tal abordagem estimula um consumo mais responsável ao permitir compras menos frequentes, dada a longevidade e versatilidade das peças, reduzindo impactos ambientais e promovendo investimentos sociais transparentes. Diversas empresas já reconhecem que é possível transformar o paradigma do consumo por meio dessa mentalidade, empoderando o consumidor a influenciar positivamente o mercado.
A construção desse cenário demanda mudança cultural, pois o mercado brasileiro ainda é marcado pelo apelo ao consumo excessivo, refletido em estratégias promocionais e abordagens comerciais agressivas. Colaboradores e clientes engajados no propósito organizacional são fatores essenciais para garantir práticas empresariais legítimas e comprometidas com impacto positivo em toda a cadeia.
Agora mais ainda com a entrada dos marketplaces cross-boarder, principalmente chineses, que estão invadindo o Brasil com produtos muito baratos, tendo um privilégio injusto de pagar menos impostos que os produtos fabricados no país, têxteis ou não.
Antes o varejo formal brasileiro, uma luta do IDV – Instituto para o Desenvolvimento do Varejo, onde tenho a honra de ser conselheiro independente, lutava contra a sonegação do contrabando, pirataria e informalidade, hoje a luta se alastrou para os marketplaces cross boarders, também.
Como competir, como atrair e reter os clientes? Não será preço ou promoção apenas.
No contexto nacional, embora a provisão de serviços públicos de qualidade seja atribuição fundamental do Estado, empresas e cidadãos compartilham a responsabilidade pelo desenvolvimento social e ambiental. A superação de modelos populistas exige compromisso conjunto, valorizando iniciativas privadas e exemplos globais de “capitalismo consciente”.
O empresariado brasileiro é incentivado a assumir seu papel social, resultando em ganhos mútuos e maior competitividade. Empresas que adotam como missão contribuir para a evolução do país promovem independência em relação ao poder público e estimulam governantes a aprimorar suas entregas à sociedade. Cabe também ao estado equiparar os tributos entre produtos brasileiros, vendidos por varejistas formais que recolhem todos seus impostos e registram seus colaboradores e empresas on-line cross boarder que não sabemos como trabalham, sabemos que vendem muito barato (qual será a geração de riqueza justa na cadeia de produção?) e ainda pagam menos impostos. Isonomia tributária seria um grande começo.
Em um ambiente saturado de publicidade, destaca-se quem investe genuinamente em melhorias para a sociedade. Assim, os consumidores tendem a apoiar organizações alinhadas a valores éticos e propósitos transformadores, construindo um mercado mais sustentável e integrado.
Cabe ao consumidor cidadão fazer a sua parte também.
O capitalismo nos trouxe uma série de inovações ao longo dos anos. Muitas tiveram um enorme sucesso e continuam por aí. Outras vieram e desapareceram, sendo substituídas por outras inovações ou simplesmente por não atenderem mais as necessidades dos clientes.
O livre mercado que nos coloca em permanente concorrência pelo cliente, nos obriga a estarmos sempre inovando, com criatividade, para não ficarmos para trás. Num mercado muito concorrido, com margens pequenas, devemos trabalhar sempre para criar diferenciais que não sejam commodities copiáveis e, sim de valor percebido, como serviço e qualidade únicos, muito mais difíceis de serem copiados.
Para isso, as lideranças precisam ser mais livres, não terem medo de errar, serem sempre incentivadas a tentar algo novo para encantar os clientes, mesmo que dê errado.
Varejistas conscientes oferecem um ambiente mais propício à criatividade e inovação, pois lá não impera a gestão de comando e controle, em que impera o medo pela punição ao erro. Essas empresas não estão preocupadas em “vencer/derrotar” a concorrência pois jogam um “jogo infinito”, em que não há linha de chegada. Não estão preocupados com os concorrentes, mas verdadeiramente preocupados em melhorar sempre a experiência de compra para os clientes.
Por isso, varejos conscientes abordam o marketing de uma forma diferente e construtiva no longo prazo, diferentemente do que os varejistas tradicionais. Eles sabem que sua jornada é infinita e, por consequência, não será uma promoção pontual, um evento sazonal ou uma grande liquidação que fará o resultado no longo prazo, mas sim entender os clientes e atender às suas reais necessidades ao longo de suas vidas como consumidores.
Eles investem muito mais no endomarketing, transformando cada colaborador de sua empresa num especialista de marketing para promover sua marca em todos os momentos de interação com os clientes.
O marketing tradicional pode ter um papel fundamental na elevação da conscientização dos consumidores para uma nova tendência ou hábito benéfico ao realizar a compra de um produto ou ir a uma loja de uma determinada rede, como pode fazer com que consumam indevidamente, desnecessariamente, incentivando, um desperdício.
Dias de ofertas excepcionais de frutas, legumes e verduras, por exemplo. Produtos altamente perecíveis e que devem ser comprados com qualidade e somente nos volumes necessários de consumo imediato. Mas muitas redes de supermercados fazem promoções ao longo da semana, que começam oferecendo um produto de qualidade inferior, porque tiveram que negociar muito para conseguir os preços promocionais, depois exibem esses produtos perecíveis empilhados sem cuidado, provocando uma rápida deterioração além da qualidade comprada, já comprometida. Incentivam os clientes a comprarem mais do que precisam e com isso, geram um gasto desnecessário, além de um desperdício alimentar nas lojas e nas casas dos clientes.
O brasileiro joga fora 41,6 kg de alimentos por ano, o que daria para alimentar 53 pessoas, enquanto 52 milhões de brasileiros vivem em insegurança alimentar por dia.
Então, um convite aos varejistas é para que sejam mais conscientes e incentivem o consumo consciente, que nada tem a ver com “não consumir”, mas consumir apenas o que cada um realmente precisa. Varejos conscientes entendem esse princípio, que normalmente estão alinhados ao seu propósito e valores.
Hoje surge a oportunidade, mas também o enorme desafio de como aplicar a Inteligência Artificial a serviço das pessoas e não como suas concorrentes.
Comunicação é um desafio, seja endomarketing ou marketing para consumidores. Mas, acima de tudo, as regras devem começar pela governança da empresa, conselho e alta direção, criando e transmitindo de forma clara o letramento, treinamento e uso da Inteligência Artificial.
Ética e transparência são fundamentais, não basta apenas seguir a lei, pois como nos lembra Simon Sinek, “a lei é o mais baixo nível da ética”. Então podemos e devemos fazer melhor.
A IA como ferramenta de CRM e hiper personalização pode e deve ser usada para entender e oferecer aos clientes as melhores oportunidades, produtos que realmente lhes interessam, sortimento diferenciado e alinhado ao seu perfil, momentos comemorativos na vida pessoal, relacionamento sincero de fidelidade, etc.
Mas o cuidado com LGPD, respeito aos limites da privacidade, aos cuidados com produtos que não lhe são saudáveis, como por exemplo ofertar a celíacos algo que não podem comer, tudo isso deve ser pensado, cuidado e executado com ética.
Precisamos retomar o bom marketing, aquele transparente, honesto e que não busca ludibriar o consumidor a só consumir, mesmo quando não precisa.
Outro exemplo é a campanha de Black Friday, um evento existente há anos nos Estados Unidos e importado, por volta de 2010 para o Brasil.
Começou no e-commerce e se espalhou para o mundo físico. Sem fazer sentido no nosso calendário, pois um dos motivos é que nos EUA representa a sexta-feira seguinte ao Thanksgiving (Ação de Graças), que ocorre na terceira quinta-feira do mês de novembro e tem a ver com o pós-colheita no hemisfério norte, antes da entrada do inverno rigoroso. E talvez por esse motivo tenha sido criado, porque eles emendam o feriado com o final e semana e no meio disso vão às compras.
Deveria ser um “limpa-estoques” antes de receber novas mercadorias para o Natal, a menos de um mês adiante. Mas no Brasil, já começou errado, “liquidando” mercadorias novas e boas, que além de levarem uma quantidade enorme de consumidores às lojas físicas e online, esgotam em grande parte os recursos financeiros para as compras de Natal, pois o Brasil tem outra condição de renda que os EUA.
Como bem lembra o Instituto Akatu para o consumo consciente: “qualquer desconto será insuficiente e o produto ainda será caro se você não precisa!”. Vamos trabalhar contra o desperdício de dinheiro e de produtos. Nossos varejos não estão aí apenas para ganhar o máximo possível numa única data.
Um bom exemplo de alinhamento de Propósito e ação na Black Friday, vem da cooperativa REI, lojas de esportes outdoor que tem como propósito “Acreditamos que viver uma vida outdoor, é uma vida bem vivida”.
Por isso já definiu há alguns anos que não abre suas lojas, nem vende pelo e-commerce na Black Friday. E ainda oferece uma licença remunerada a todos seus colaboradores para estarem em atividades outdoor junto com seus clientes ou simplesmente com suas famílias.
Seus valores garantem isso, pois são orientados pelo propósito e mencionam em seu site e app: “Coloque o propósito acima do lucro, por meio de práticas sustentáveis e retribuição voltada às atividades externas (outdoor)”.
Para termos clientes que advogam em nossa causa, devemos como varejistas, conquistar a sua confiança, colocando os interesses dos clientes acima dos da empresa, bem como ser transparente, ético e autêntico em todas as suas interações.
Criar uma relação de confiança pode até dar a sensação que está perdendo uma oportunidade pontual de vender alguma coisa a um cliente, mas construir esse canal de confiança supera no longo prazo qualquer perda pontual.
Vivemos um período de grande provação em 2020, com a pandemia do Covid-19 que impactou o mundo e fortemente o Brasil. Um país que escancarou suas mazelas sociais e aumentou sua enorme desigualdade. Muitos varejos não essenciais, ou seja, excluindo venda de alimentos e medicamentos, passaram por lockdown e momentos de muita provação e resiliência. Quem não estava preparado para pivotar para o e-commerce perdeu muitas vendas.
O período trouxe muitos aprendizados, sendo o principal, que revelamos nossas fraquezas e forças e descobrimos o quanto somos interdependentes. E que a solidariedade nunca foi tão presente nesse ano.
Por exemplo o Nordestão, empresa de supermercados em Natal – RN, abriu suas portas para vender ovos de páscoa da Cacau Show das lojas dos franqueados da cidade, impedidos de realizar suas vendas presenciais e sem uma estrutura adequada de e-commerce. Foi um enorme ganha-ganha, pois ganharam os clientes do Nordestão que puderam comprar os produtos Cacau Show, mesmo com suas lojas fechadas, e ganharam os franqueados da Cacau Show, que puderam preservar seu faturamento, mais importante do ano, e com isso manter os empregos de seus colaboradores. Foi um ganho para as relações comerciais no varejo brasileiro.
Enquanto as lojas de produtos essenciais, como os supermercados e farmácias permaneceram abertas, todos os cuidados com as pessoas foram tomados. Aqueles varejos que cuidaram verdadeiramente de seus colaboradores e clientes, quanto à saúde acima do lucro, conquistaram admiração e respeito de todos stakeholders, conquistando credibilidade por parte dos clientes, que aumentam suas compras futuras e se transformam em advogados das marcas, marqueteiros sem remuneração por vocação.
Passados cinco anos do Covid-19, infelizmente pouquíssimos aprendizados ficaram. Como humanidade falhamos mais uma vez, mesmo tendo recebido o sinal claro da Mãe Terra.
Não há marketing mais eficiente que um cliente satisfeito, promovendo a sua marca por meio da experiência vivida em seu negócio, seja físico ou seja online.
Quanto mais clientes “advogados/ marqueteiros / fãs”, menos publicidade tradicional sua empresa terá que fazer para atrair e, principalmente, reter clientes.
Aqui volto a relembrar a importância que os colaboradores têm no papel de marketing e de retenção dos clientes. Por isso, sempre trate seu colaborador como um cliente, pois esse é quem cuida do cliente.
Colaboradores engajados e felizes resultam em clientes fiéis que compram mais ao longo de sua relação com a empresa.
Os clientes vão ao varejo buscar, em sua maioria, produtos e marcas dos fornecedores. Sem eles não há varejo! Sem clientes não há vendas, não há lucro, não há empregos, não há impostos, não há cadeia de suprimentos. O varejo é um ecossistema complexo, mas fundamental na vida das pessoas.Hugo Bethlem é presidente do Capitalismo Consciente Brasil.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Fonte : https://mercadoeconsumo.com.br