A promulgação da Lei nº 15.179, de 24 de julho de 2025, trouxe inovações relevantes no campo das relações de trabalho, especialmente ao disciplinar o crédito consignado digital e estabelecer novos mecanismos de proteção ao salário do trabalhador. Entre essas inovações destaca-se o Termo de Débito Salarial (TDS), instrumento jurídico que inaugura uma nova forma de responsabilização do empregador pelo não pagamento ou retenção indevida de valores devidos ao empregado.
O TDS surge como um mecanismo robusto de proteção à remuneração, reconhecida constitucionalmente como verba de natureza alimentar. A lei buscou oferecer maior celeridade e efetividade à cobrança de salários e descontos consignados, conferindo ao TDS a força de título executivo extrajudicial.
Conceito e natureza jurídica do TDS
O Termo de Débito Salarial (TDS) é um documento emitido pela Auditoria-Fiscal do Trabalho quando constatadas situações de:
- Retenção indevida de valores descontados a título de empréstimo consignado, mas não repassados pelo empregador à instituição credora; ou
- Falta de pagamento integral do salário no prazo legal.
A lei atribui ao TDS a natureza de título executivo extrajudicial, o que significa que, uma vez lavrado, poderá ser utilizado diretamente em ações de execução, sem a necessidade de reconhecimento judicial prévio da obrigação.
Trata-se de medida que aproxima o TDS de outros títulos previstos no ordenamento, como a confissão de dívida e o cheque, mas com a peculiaridade de ter origem administrativa. A competência para emissão do TDS é exclusiva da Auditoria-Fiscal do Trabalho, que, após fiscalização e constatação do débito, lavrará o termo em face do empregador infrator.
O documento deverá indicar:
- O valor devido;
- A origem do débito (salário ou repasse de consignado);
- As provas colhidas durante a inspeção;
- A fundamentação legal da autuação.
Embora a lei não detalhe minuciosamente todas as etapas procedimentais, a emissão do TDS deverá observar os princípios do contraditório e da ampla defesa, possibilitando ao empregador impugná-lo na esfera administrativa ou posteriormente em juízo.
Efeitos e consequências jurídicas
A principal inovação está na eficácia executiva imediata do TDS. Com sua emissão:
- O crédito do trabalhador passa a gozar de maior liquidez;
- O empregador poderá ser executado diretamente, com penhora e expropriação de bens;
- Há previsão de multa administrativa de 30% sobre o valor não repassado ou não pago, o que eleva significativamente o custo da inadimplência.
Do ponto de vista prático, o TDS reforça a segurança jurídica do trabalhador e reduz a morosidade que tradicionalmente marca as ações de cobrança salarial.
Relação com princípios e normas trabalhistas
A inovação deve ser lida em consonância com o artigo 7º da Constituição Federal, que assegura a irredutibilidade do salário, bem como com o artigo 459 da CLT, que prevê o prazo para pagamento da remuneração.
O TDS é, portanto, uma extensão prática desses preceitos constitucionais e legais, funcionando como um escudo adicional à dignidade da pessoa humana e ao valor social do trabalho. Outro ponto relevante é a conexão com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), já que a formalização digital do crédito consignado envolve biometria e assinatura eletrônica, demandando atenção redobrada à privacidade do trabalhador.
Impactos para empregadores e trabalhadores
Para o empregador, a lei impõe novas responsabilidades:
- Assegurar o repasse imediato dos valores descontados;
- Manter sistemas de controle interno capazes de comprovar a regularidade das operações;
- Preparar-se para eventuais fiscalizações com documentação organizada e transparente.
Já para o trabalhador, o TDS representa um reforço à proteção do crédito salarial, garantindo meios mais céleres de cobrança e, em última análise, maior poder de negociação diante da inadimplência patronal.
Controvérsias e desafios de aplicação
Ainda que a intenção legislativa seja positiva, alguns pontos demandam atenção crítica:
- Haverá discussões sobre o devido processo legal na emissão do TDS;
- Poderão surgir questionamentos quanto à sua compatibilidade com garantias constitucionais, especialmente no que se refere ao contraditório;
- A efetividade prática dependerá da capacidade da auditoria-fiscal em atuar com celeridade e precisão, o que historicamente enfrenta limitações de estrutura e pessoal.
Além disso, resta verificar como o Poder Judiciário receberá o TDS em termos de exigibilidade e como a jurisprudência irá consolidar sua aplicação.
Conclusão
A Lei 15.179/2025 inaugura um novo capítulo na tutela do salário, ao criar o Termo de Débito Salarial como instrumento de execução imediata contra empregadores inadimplentes. Ao mesmo tempo em que protege o trabalhador, impõe ao empregador a necessidade de manter maior rigor no cumprimento de suas obrigações trabalhistas.
O TDS pode representar um avanço importante em termos de efetividade e justiça social, desde que sua aplicação seja equilibrada, respeitando os princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa. Para empregadores, o recado é claro: investir em compliance trabalhista deixou de ser uma opção e passou a ser requisito de sobrevivência empresarial.
Valéria Toriyama e Ana Paula Caseiro Camargo são advogadas do Caseiro e Camargo Advocacia Estratégica.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.