Os 5 passos para uma marca somar “confiança” ao seu conjunto de valores junto ao consumidor.
Na semana passada, participei do Webinar da Capgemini, amplamente coberto em reportagem escrita pela Larissa Féria, que apresentou um assessment sobre as tendências do varejo para 2026. Decidi trazer aqui, e aprofundar a reflexão, da quinta tendência compartilhada por eles: trust as a driver (confiança como motor), pelo que ela revela sobre a nossa sociedade de consumo atual. E, ainda mais, porque essa tendência não deve estar confinada ao varejo, mas se estender a todos os segmentos de negócios.
A partir desse “insight”, fica claro que a construção de valor de uma marca entra agora em uma nova era; num território um pouco mais subjetivo e, digo sem nenhum medo, urgente.
O que essa tendência revela? Antes de tudo, que o comportamento de lealdade, atributo desejado por dez entre dez gestores de marketing, passou a exigir transparência radical e verdade nas relações entre marcas e consumidores. Aquilo que antes permanecia implícito ou inconsciente no processo de decisão agora ocupa o centro da escolha. A confiança deixou de ser consequência: tornou-se pré-condição para qualquer vínculo duradouro
Historicamente construída por meio da experiência com o produto, sua performance e pela estabilidade no mercado, a lealdade agora demanda confiança, um atributo subjetivo que vem se somar de forma irreversível a uma sociedade repleta de incertezas.
Não basta reconhecer e identificar as marcas com que se quer relacionar; o consumidor precisa agora acreditar nelas, sem reservas. Em um ecossistema saturado de conteúdo, fake news, vida de Instagram e promoções constantes, credibilidade se tornou moeda rara.
O ambiente de interação entre marcas e usuários mudou de forma radical. A tecnologia se tornou ubíqua, dissolvendo fronteiras entre o físico e o digital, enquanto a jornada de compra se fragmenta em múltiplos pontos de contato, longe da linearidade do antigo funil de vendas. O próprio Google batizou essa nova jornada de compra de messy middle, uma zona caótica de influências simultâneas que afetam o consumidor a cada clique do seu processo de decisão.
Nesse cenário, os algoritmos filtram experiências e as marcas passam a ser avaliadas não apenas pelo que comunicam e entregam, mas sobretudo pelo que fazem, pela coerência entre intenção e ação.
Se o usuário se depara com desinformação, mensagens conflitantes ou promessas não cumpridas, o risco é de zero-lealdade. Nesse contexto, a confiança não é só um atributo emocional, mas um ativo estratégico de marca.
Mudança dos números de confiança.
Os números que “medem” confiança estão mudando. O relatório Edelman Trust Barometer 2025 mostra que a confiança nas instituições está sob forte pressão global, marcada por ressentimento, o que eles chamam de grievance, e falta de esperança, especialmente nas gerações mais novas. E, no território das marcas, o relatório especial Trust and brands: from we to me, indica que a confiança dos consumidores com nas marcas está agora no centro da questão estratégica.
Ainda que o relatório não traga uma divisão clara para o Brasil na métrica de “confiança em marca”, ao menos que esteja disponível publicamente de modo comparável com os demais, ele reforça que a licença para operar de uma marca passa pelo nível de confiança que inspira.
Marcas que se omitem ou mantêm ambiguidade acabam na zona cinzenta da irrelevância. Vamos lembrar que, no passado recente, muito se falou de identidade de marca: nome, logo, símbolos e tom de voz. A lógica era simples, de transformar um nome em organismo vivo que dialoga com a comunidade, gerando engajamento individualizado.
Como escrevi em artigo anterior, esse arsenal, sim, importante, é hoje apenas parte da construção de valor. A identidade é o contorno; o verdadeiro centro da equação nos dias atuais está no que se faz com esse contorno identitário ao longo do tempo.
O tempo e a memória são insumos preciosos para a construção de valor de marca. Pesquisas científicas em comunicação mostram que memórias duradouras emergem quando aprendemos (cognição) e sentimos (emoção), gerando landmarks no cérebro.
Esse processo não é instantâneo. Uma boa timeline de posts nas redes sociais cumpre o papel da cognição, mas dificilmente consegue criar impacto emocional e temporal que geram valor de marca.
Constatamos, então, que capturar valor de marca, o verdadeiro equity exige que a marca faça uma triangulação vital: visibilidade consistente, relevância real (também emocional) ao usuário e impacto coletivo que exceda o individual.
A partir desta constatação, a discussão agora agrega novo pilar que se conecta diretamente à lealdade: se a marca não se faz memorável ou valiosa ao longo do tempo, dificilmente consegue capturar margem, preferência ou um papel diferenciado no portfólio do consumidor.
Os efeitos desta nova realidade para a captura de valor de marca
Tenho a convicção de que a próxima fronteira da construção de equity de marca será (ou já é) o vínculo de confiançaque a marca mostra aos seus usuários.
Em 2026, construir valor baseado na confiança para se diferenciar vai depender de fatores que até agora eram um nice to have (bom de se ter), mas que se tornaram um must have (precisa ter) nas relações de vínculo com seus usuários, tanto na percepção quanto na geração de confiança) .
São 5 passos em direção ao território da confiança. São eles:
- Integridade e consistência: prometer menos e entregar mais; sustentar o discurso de marca na entrega de sua oferta fundamental, ou seja, no que realmente importa.
- Transparência de uso de dados, ética de tecnologia e privacidade: em um mundo impulsionado por IA, algoritmos e recomendações, o usuário acompanha e pressiona discrição, afinal dados são bens pessoais inegociáveis.
- Relevância contextual plena: o próximo patamar da personalização (na verdade, contextualização), como apontado pela Capgemini, exige que a marca esteja ali no momento certo, com produto certo, na forma certa.
- Comunicação de impacto coletivo: mais do que apelar ao “eu”, a marca deve endereçar o “nós”, como já observava a teoria da consciência coletiva. O vínculo de confiança se fortalece quando faço parte de algo maior.
- Gestão de vulnerabilidades da era digital: a proliferação de fake news, bots de influência, vidas de Instagram pós-editadas alimenta o ceticismo. Marcas precisam estender sua atuação ao ecossistema de confiança, por exemplo, observando como se comportam diante de crises, como respondem nas mídias sociais e como lidam com influenciadores e dados.
Quer dizer, o valor de marca não será mais capturado apenas por quem falar mais alto ou aparecer mais. Será capturado por quem conseguir ser percebido a partir deste conjunto de ações.
O novo paradigma de marca
Lembrança, relevância, legitimidade e confiança. Essa é a nova equação de captura de valor (ou equity) que se reconfigura daqui para frente. Claro que aspectos óbvios, como identidade clara, comportamento arquetípico correto e entrega do que promete, continuam a ser a espinha dorsal para uma marca competir de forma saudável, mas sua singularidade se dá a partir deste novo conjunto de atributos.
E, repare bem, a maioria destes atributos é de ordem subjetiva.
A grande pergunta para 2026 é: sua marca será lembrada pelo que prometeu ou pelo que entregou além do esperado, conquistando a confiança das pessoas?
A partir de agora, o desafio é construir o equity da confiança: aquele valor intangível que nasce da coerência, da entrega “para além do racional” e do impacto real. As marcas que entregarem mais do que exibem, que construírem mais do que comunicam e que geram valor em vez de apenas disputar atenção, serão as que, de fato, vão capturar valor e entregar mais margem às companhias.
Afinal, em um mundo em que tudo tem a velocidade da luz, o que destrói e destrói valor é a superficialidade. E o que vence é a confiança construída ao longo da relação.
Ulisses Zamboni é chairman e sócio-fundador da Agência Santa Clara.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.