Enquanto o ritmo acelerado das entregas segue sendo rotina para motoboys de todo o Brasil, alguns restaurantes têm repensado como recebem esses profissionais. Estruturas com água fresca, banheiros limpos, tomadas para carregar celular e até lanches estão se tornando mais comuns — e os resultados vão além do conforto, refletindo em eficiência e relacionamento.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Brasil tem 475 mil profissionais que declaram as entregas como atividade principal. Desse total, 350 mil são informais, ou seja, não têm CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica). Só o iFood tem 450 mil entregadores em seu sistema, segundo a empresa.
A plataforma diz que mantém uma escuta ativa com entregadores, por meio de grupos de trabalho, social listening e uma área exclusiva no aplicativo para que possam reportar casos ou sugerir melhorias. Os dados coletados são usados para orientar iniciativas conjuntas com restaurantes parceiros, visando melhorias nos pontos de retirada. Entre elas, redução de tempo de espera na hora da retirada, treinamentos de equipes dos restaurantes parceiros, entre outras ações. A plataforma afirma que ambientes acolhedores reduzem tempos de espera, aumentam a eficiência e motivam os entregadores.
Itália no Box: acolhimento como parte do DNA
Para Débora Alberti, cofundadora da rede Itália no Box, criar um espaço de acolhimento foi “uma escolha natural”, já que os entregadores são “a ponte entre o produto e o cliente”. Hoje, a unidade oferece água fresca, banheiro limpo, área coberta com assentos e tomadas. “Em horários de pico, quando possível, também oferecemos um café, um lanche ou um prato do dia. É o mínimo que podemos fazer por quem passa horas na rua, muitas vezes sem pausa.”
De acordo com Débora, a média é de 20 a 30 entregadores por dia, muitos deles já considerados parte da casa. Ela relata que os retornos são emocionantes: “alguns dizem que gostariam que todos os lugares tivessem essa consciência.” Para a empresária, o impacto vai além do atendimento: entregadores preferem retirar pedidos em locais onde se sentem respeitados, o que melhora comunicação e reduz falhas.
“Oferecer um espaço acolhedor é mais do que importante, é urgente. Esses profissionais sustentam boa parte da cadeia da alimentação. Oferecer um espaço de acolhimento não é um favor, é uma reparação mínima. Humanizar esse serviço é uma forma de reconhecer o valor de quem está na ponta da entrega”, diz ela.
Don Paolo Pizzaria: respeito que fideliza
Na Don Paolo Pizzaria, o cuidado com entregadores começou desde a fundação, em 2007. “Desde o início das nossas atividades prezamos por ter um ambiente de trabalho que acolhesse a todos”, diz Paulo da Silva, sócio do estabelecimento. “Quando mudamos para um local maior, deixamos um espaço reservado para os profissionais aguardarem a saída dos pedidos com mais conforto.”
A área conta com banheiro, água, café, bancos e alimento. E o investimento, nesse caso, não exigiu custos extras, já que a estrutura já estava disponível.
Cerca de 10 entregadores passam por lá diariamente, sendo seis fixos. Segundo Paulo, a valorização se reflete no comprometimento. “Temos profissionais há mais de 15 anos e, quando precisamos ampliar a equipe, são eles que indicam familiares e amigos.”
Para ele, espaços de acolhimento para os entregadores são fundamentais. “Os profissionais ficam mais tempo no trabalho do que com as suas famílias, o mínimo que podemos fazer é proporcionar um ambiente de trabalho decente para eles.”
E há também resultado positivo para o negócio: mais eficiência e engajamento dos colaboradores.
Visão do iFood: boas práticas e suporte estruturado
O iFood também atua na melhoria da experiência dos entregadores, oferecendo pontos de apoio próprios ou em parceria com prefeituras, presentes em 15 cidades, onde é possível descansar, beber água e carregar o celular.
Embora não exista ranking de restaurantes mais bem avaliados, a empresa afirma que estimula boas práticas e que criou uma cartilha (https://institucional.ifood.com.br/cartilha-de-direitos-e-acesso-a-justica/) com orientações que vêm estimulando mudanças positivas, como redução no tempo de espera e treinamentos de equipe, após sugestões dos entregadores.
O compromisso, segundo a plataforma, é continuar investindo em infraestrutura e suporte, além de estudar a possibilidade de criar selos ou certificações para restaurantes que se destacam no acolhimento.
Começar pequeno, mas começar
Débora diz que criar um local para receber os entregadores exigiu um pequeno investimento, mas nada que não fosse viável. “E o custo não se compara ao valor gerado, em clima de equipe, em reputação e em consciência social.”
A dica dela para quem quer iniciar é simples: “um banco na sombra, uma garrafa de água gelada, uma tomada disponível, já fazem uma diferença enorme.”
Silva complementa: “Comece pelo básico, garantindo que esses profissionais sejam respeitados. Isso ajuda a fortalecer a relação e todos saem ganhando.”
75% dos entregadores querem atuar em APPs
Um estudo do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) em 2024 aponta que 455.621 entregadores atuam por meio de aplicativos no Brasil. Desse total, 75% afirmam que querem continuar atuando com os aplicativos.
A pesquisa também mostra que essa atividade é a única remunerada para 54%, um pequeno aumento em relação a 2022, quando era 52%. Entre os motivos apontados pela atuação exclusiva, a maior parte afirma ser melhores ganhos (48%), seguido por mais autonomia e flexibilidade (24%).
A mostra também destacou que a renda média mensal líquida dos entregadores gira entre R$ 2.669 a R$ 3.581, o que corresponde de R$ 17 a R$ 22 líquidos por hora.