Por Antonio Gonçalves
Cabe aos Estados e ao governo federal viabilizar os meios necessários para prover a efetiva dignidade humana, o respeito à honra, intimidade e vida privada daqueles que visitam seus entes queridos
O tema da revista íntima foi pauta por meses no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da análise do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 959.620/RS, representativo do Tema 998 da sistemática de repercussão geral e, finalmente, teve sua conclusão com a análise acerca da legalidade das provas obtidas.
O julgamento formou maioria contrária à revista íntima nos presídios. Todavia, ela poderá continuar a ocorrer, em casos excepcionais, por um prazo de até 24 meses, para que a União e os Estados adquiram os equipamentos necessários para a revista sem contato. Houve consonância sobre a violação dos preceitos constitucionais que deveriam que deveriam proteger os familiares dos encarcerados que os visitam nos presídios brasileiros.
Por fim, a questão da licitude das provas obtidas por meio da revista íntima. Agora ela poderá ocorrer desde que existam “indícios robustos de suspeitas, tangíveis e verificáveis” e deve ser feita em “local adequado” e exclusivo, além de ser realizada por pessoas do mesmo gênero do visitante.
Importante esclarecer que a revista íntima em nada se confunde com a revista para visita íntima, afinal, a primeira tem sido aplicada nos presídios brasileiros para todo e qualquer visitante de um preso. Já para o segundo caso, há limitações, tanto das unidades, quanto dos visitantes para os encontros com cunho sexual.
A revista íntima consiste no visitante retirar toda a sua roupa e ser inspecionado por um agente penitenciário. No caso das mulheres, a verificação é degradante porque há a obrigatoriedade de se agachar diante de um espelho e abrir suas partes íntimas mais de uma vez, em locais cuja a higiene e limpeza são questionáveis e, não raro, a revista era feita com mais de uma pessoa simultaneamente. E, mesmo que uma visitante estivesse menstruada, a verificação era feita e o constrangimento era evidente, ainda mais porque não são todas as penitenciárias que possuem agentes penitenciários femininos.
Ademais, até crianças de colo poderiam ser submetidas à revista íntima, com a retirada de fraldas, ficando notória a submissão delas à violação de sua dignidade.
Segundo relatório da Rede Justiça Criminal, 75% das visitas a presídios são feitas por mulheres e o número de crianças, 17%, é mais do que o dobro do porcentual de visitas feitas por homens, que é de 8%. A realidade dos parentes dos presos é dura, com obstáculos, viagens, dificuldades financeiras, além de algumas unidades prisionais serem distantes das residências. Fora tudo isso, ao chegar ainda se soma o constrangimento da revista íntima.
Assim, mães, esposas, companheiras, namoradas e filhos eram submetidos a tratamentos degradantes e vexatórios em busca de produtos ilícitos, porém será que a prática justifica o método?
Produtos ilegais, drogas, objetos perigosos e, inclusive, componentes eletrônicos são alguns dos elementos buscados na revista. Entretanto, segundo dados da Rede de Justiça Criminal, o índice de visitantes com itens não autorizados fica em torno de 1%. Segundo o mesmo estudo, em 2018, em Brasília, foram realizadas 90.153 visitas. O total de apreensões foi de 195.
Assim, até a decisão do STF, se questionava quais os limites da revista íntima? E qual a licitude das provas obtidas? Para o imaginário popular de alguns, o preso não merece regalias e seus visitantes podem levar objetos e oferecer risco à segurança do presídio. Afinal, não são poucas as notícias de aparelhos celulares, itens clandestinos e demais “acessórios” que chegam aos detentos por meios desconhecidos.
No sopesamento dos direitos fundamentais, quem deve ser protegido? O visitante ou o Estado? Eis a pergunta que o Supremo, sabiamente, não preocupou-se em responder. Não existe, mas, porém, contudo e entretanto na Constituição federal. Para se proteger o universo prisional não se deve autorizar a violação de direitos.
De tal sorte que é obrigação dos Estados de prover elementos alternativos à revista corporal. O principal deles é o scanner corporal, no qual um aparelho avalia o visitante vestido. O custo do equipamento é elevado e são poucas as unidades prisionais que o possuem. Além disso, não basta a aquisição do aparelho em si, porque pode-se obter um outro problema com seu uso indiscriminado por pessoas não preparadas.
A aplicação do scanner corporal é relativamente simples, todavia, a interpretação dos resultados não o é. Eis a carência da capacitação. O correto é um técnico em radiologia aferir os resultados, no entanto, o custo de tal manutenção é proibitivo para os recursos penitenciários correntes, logo, muitos diretores optam por “capacitar” agentes penitenciários para executar a tarefa.
O Estado Democrático de Direito tem de cumprir seu papel, por conseguinte, é obrigação estatal equipar suas unidades prisionais com aparelhos radiológicos como os scanners corporais. Se há recursos para tanto, se a União fará a compra e os doará em seguida, não importa, pois, o concreto é que a Constituição federal determina que sejam respeitados os direitos tidos como fundamentais e com a decisão do Supremo Tribunal caberá aos Estados e ao governo federal viabilizar os meios necessários para prover a efetiva dignidade humana, o respeito à honra, intimidade e vida privada daqueles que visitam seus entes queridos.